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Duduca do Salgueiro e o Assassinato de Matinadas

, Duduca do Salgueiro

 

 

Entrevista concedida a Sérgio Cabral na década de 1970.

 

Eduardo de Oliveira, o Duduca, nasceu em 1926 no interior de Minas Gerais, mas foi registrado no Rio de Janeiro como carioca. Mora no Morro do Salgueiro desde os sete anos de idade. Antes sua família vivia na Chácara do Vintém e foi despejada de lá juntamente com todos os outros moradores, graças à ação do célebre Emílio Turano que provou na Justiça ser o dono do morro. A mesma ação ele tentou pouco depois em relação ao Morro do Salgueiro, mas foi derrotado na Justiça.
Duduca é o atual presidente da ala dos compositores da Escola de Samba Acadêmicos do Salgueiro (1974) e autor de vários sambas-enredo que a sua escola cantou no carnaval. Gráfico de profissão, ele nunca teve tempo para tentar na área do consumo uma projeção proporcional à quantidade e qualidade dos seus sambas, que começaram a nascer há cerca de 35 anos. Seu pai, Paulino de Oliveira, foi presidente da Escola de Samba Depois eu Digo e da Acadêmicos do Salgueiro.
A importância dessa entrevista não se limita apenas à bibliografia de Duduca: ele foi testemunha do famoso conflito entre componentes de escolas de samba em 1945, no campo do Vasco, quando morreu o seu amigo e parceiro José Matinadas.
Você conheceu o Turano?
Duduca — Me lembro bem. Ele mancava de uma perna. Na antiga Chácara do Vintém, lá em cima, ele tinha um palacete num terreno muito grande. Era uma espécie de sitio. Era naquele local que hoje é conhecido com o nome de Morro da Liberdade. Aquilo tudo era dele. Pelo menos era o que ele dizia.
Sua escola no Salgueiro era a Depois Eu Digo. Com que idade você começou a fazer sambas pra ela?
Duduca — Eu devia ter meus 17 anos. Naquela época eu jogava muita bola e tinha uma namoradinha chamada Elza. Uma vez eu briguei com ela e fiz um samba. Quando a gente voltava de um jogo de futebol, eu cantei o samba pro Matinadas e pro Didinho. Os dois já morreram. Quem mandava no samba da Depois Eu Digo naquela época, era a dupla Anibal Silva e Éden Silva, o Caxiné. Eu nem me atrevia a apresentar um samba na escola. Eu, com 17 anos, não dava. À noite o Matinadas e o Didinho cantaram o samba e todo mundo acompanhou. Fui chegando devagarzinho e eles me chamaram: “Vem cá, vem cá, esse é que é o dono do samba”.
Como era o samba?
Duduca — Vou dar uma palhinha:
“O meu coração quase parou / Depois que perdi meu grande amor / Mas a sorte me protegeu / Um novo amor me apareceu / E hoje vivo a cantar / Para esquecer quem não me soube amar”.
E vai por ai. Era ainda meio rústico, mas depois eu fui me aprimorando. Mas o samba foi muito cantado na escola. Fez muito sucesso. Não foi gravado mas agradou muito na escola.
O Didinho era compositor?
Duduca—Não. Ele era diretor de bateria da Azul e Branco, mas vivia sempre conosco porque nosso time de futebol era quase todo mundo da Depois Eu Digo. Não era compositor, mas gostava de cantar. Era um grande improvisador. Na hora do partido alto ele brilhava improvisando. Era perfeito quando versava um samba de improviso.
O Matinadas era compositor também? 
Duduca — Era. Ele sala na bateria, mas era compositor. Ele era mais ou menos da minha idade.
Como é que foi a briga no campo do Vasco no carnaval de 1945?
Duduca — Naquele ano o samba-enredo da Depois Eu Digo era meu e do Matinadas. Nós tiramos um samba falando da guerra. Disseram, aliás, que ficou um pouco em cima de outra música, mas não tivemos essa intenção. A gente era muito inexperiente. O samba foi tirado em cima do carnaval e minha irmã copiou a letra na mão para distribuir entre os componentes. Ela fez umas trezentas cópias. Antes do desfile cantamos, treinamos e demos um descanso no pessoal pouco antes do momento de nós desfilarmos.
E a briga?
Duduca — Foi na hora que a gente estava parado. O Matinadas chegou pra mim e falou: “Vamos dar uma voltinha até ali atrás.” Eu disse que não, que estava cansado e fiquei de cócoras descansando. Passaram poucos minutos e vieram me dizer que deram uma ferrada no Matinadas. Eu corri lá pra trás e ele estava deitado no chão. Falei com ele, ele tentou falar comigo, mas botou uma golfada de sangue pela boca. Quando levantei a roupa dele vi um furinho no peito que quase não sala sangue. Vi logo que ele ia morrer, pois parecia que estava com uma hemorragia interna. Passaram poucos minutos e ele morreu.
Você deve ter ficado chocadíssimo?
Duduca — Muito. Eu tinha combinado que iria batizar a filha dele que tinha nascido há quatro dias e batizei mesmo. Confirmei a minha palavra que seríamos compadres.
Ela desfila no Salgueiro? 
Duduca — Não, ela não deu pra negócio de samba, não. Ela casou com um rapaz que trabalha nos Correios, muito nova, ele também, mas os dois têm muito juizo, compraram uma casinha em Deodoro e estão lá com quatro filhos.
Agora, depois que ferraram o Matinadas, o pau comeu, não foi?
Duduca — Se comeu! Quem ferrou ele foi o pessoal do Cada Ano Sai Melhor, mas ninguém soube exatamente quem foi. Até eu fui chamado na policia como suspeito. Imagina a minha situação: melhor amigo dele, suspeito! Na policia comecei a chorar. Ameaçaram me bater, foi uma coisa horrível. Não entendia nada.
Durante a briga muita gente saiu ferida?
Duduca — Saiu. Tinha um rapaz que era meio marginalzinho, o Mário Upa, que gostava muito do Matinadas. O Matinadas era muito querido no morro. O Mário Upa quando soube que ferraram ele, ficou feito louco. Disseram na hora que o pessoal do Cada Ano Sai Melhor não estava com a roupa da escola, mas com uma roupa preta e branca. Nem levaram pastoras. Foram lá pra brigar mesmo. Quando houve o negócio, o Cada Ano saiu fora. Se pegaram, pegaram poucos. Mas havia um pessoal, acho que do Catete, que também estava de camisa preta e branca e foram eles que sofreram mais. Parece que foram trinta e tantos ou quarenta e tantos que foram para o hospital. O Mário Upa se plantou perto de uma porta e todo o mundo que aparecia com roupa preta e branca entrava na navalha. Foi uma loucura!
E o culpado apareceu?
Duduca  — O falecido Manoel Macaco acusou o Bicho Novo, do Morro de São Carlos. Bicho Novo esteve preso uma porção de tempo, até que surgiu um rapaz como o verdadeiro matador. Não me lembro do nome dele, mas acabou ficando preso.

 

Duduca
Me disseram que a culpa foi de um cara que passou a mão na porta-bandeira da Cada Ano Sai Melhor.
Duduca — Houve uma festa num colégio que havia no Salgueiro e várias escolas de samba apareceram. Me lembro muito bem desse dia: estava chuviscando e encontrei o Matinadas com o guarda-chuva na mão. Perguntei se ia à festa e ele disse que não, não me lembro se havia nascido a filha dele naquele dia ou se estava pra nascer. Batemos um papo de uns cinco minutos e ele foi pra casa. Eu fui pra festa. Lá um rapaz muito brincalhão, muito abusado, que vivia só de galhofada. Era o Levi, que dançava de mestre-sala, um mulatinho alto, magrinho. Eu sei que ele gostou da porta bandeira da Cada Ano e ficou perturbando e ela refogou. Ele ali passou a mão nela e gritou: “Eu sou o Matinadas! Eu sou o Matinadas!
E o Matinadas não tinha nada com isso?
Duduca — Nada. Lá no campo do Vasco, o pessoal da Cada Ano Sai Melhor ficou procurando o Matinadas. Ali um garoto do Salgueiro apontou: “É aquele ali”. O cara chegou e não conversou: enfiou o ferro. O cara morreu sem saber a razão.
O que o Matinadas era na vida?
Duduca — Quando nós éramos garotos, eu e ele éramos jornaleiros ali no Largo do Carioca. Depois ele começou a trabalhar numa fábrica de cadeiras Eram umas cadeiras de lona que eram uma espécie de espreguiçadeiras.

 

 

 

Você se lembra do samba que vocês fizeram naquele ano?
Duduca — Era meio esquisito, era um samba pra época da guerra:
“Brasil, terra da liberdade / Berço da felicidade / Onde existe a tranqüilidade / Meu Brasil /Jamais houve em outro tempo / Tão enorme sentimento / Como há neste momento / E saber que seus filhos morrem / Pra Ihe defender / Oh meu Brasil / Não importamos de morrer / A vitória é certa / Mas se continuarmos alerta / Oh meu Brasil / Para vencer preciso ter prazer / De matar ou morrer”.
As escolas de samba do Morro do Salgueiro tinham uma rivalidade muito grande entre elas?
Duduca — Muito grande. No lugar delas se unirem, disputavam umas com as outras. O que levou as escolas a se juntarem foi a colocação do desfile de 1953. A Unidos do Salgueiro, azul e rosa, teve uma boa colocação. A Depois eu Digo ficou mais atrás e a Azul e Branco tirou nos últimos lugares. Naquele ano já havia aquele negócio das últimas colocadas serem rebaixadas para o outro desfile. A gente dizia até que iam pra poeira. A Azul e Branco, portanto, ia pra poeira. Foi isso que fez o pessoal pensar em se unir.
Quem teve a idéia?
Duduca — Não foi dos mais velhos, não. Foi dos mais jovens. Me lembro até de um samba do Geraldo Babão:
“Devíamos balançar a roseira / Dar um susto na Portela / No Império e na Mangueira / Se houvesse opinião / O Salgueiro apresentava / Uma só união / No meio de gente bamba / Freqüentadores do samba / Iam conhecer o Salgueiro / Como primeiro em melodia / Acontece que chegou a Academia”.
Ai, em março de 1953 houve a união entre as escolas de samba Depois eu Digo e Azul e Branco e nasceu a Acadêmicos do Salgueiro. Na primeira reunião, o Casemiro Calça Larga, que representava a Unidos do Salgueiro, não quis participar da fusão, por discordar dos demais. Depois os integrantes da escola dele acabaram aderindo e ele também.
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