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Entrevista com Monarco

, Entrevistas

Velha Guarda da Portela, 1975
No final de janeiro, Monarco iniciou uma série de apresentações relembrando o seu primeiro disco, de 1976. Em uma entrevista cedida à revista Terra Magazine, O portelense fala do show, mas também fala com tristeza sobre os rumos do samba e da Velha Guarda da Portela:
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…”A Velha Guarda está bem desfalcada hoje. Aos trancos e barrancos, vamos mantendo, mas está difícil, porque não tem peça de reposição. Não tem sentido a gente colocar pessoas que não têm aquela característica do passado. Se ficar enxertando de garotos, perde aquela característica… Vamos segurando a barra, mas está difícil, vai chegar uma hora que vai acabar – lamenta Monarco…

.É a mais pura e triste verdade… e só um pedacinho dela…mas por outro lado tá cheio de portelense fazendo bonito Brasil afora

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Leia a entrevista na íntegra:

Terra Magazine – De quem foi a ideia do show comemorativo do seu primeiro disco, “Monarco”, de 1976?
Monarco – Queriam comemorar os meus 77 anos e o Instituto Moreira Salles escolheu o primeiro disco de minha carreira. Eu achei legal também. Mas não tem expectativa nenhuma de relançamento do disco. É uma maneira de eles me fazerem uma homenagem carinhosa. Esse disco está fazendo 35 anos.
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Muitos dos músicos que participaram da gravação já morreram…
Marçal, Dino, Abel Ferreira… Quem está vivo é o José Menezes! Vou até falar com o pessoal pra convidar. Não sei se ele vai poder ir, porque está morando longe. Mas muitos deles já morreram. Luisão morreu… Só está vivo o produtor, José Menezes, e umas duas ou três pessoas, Wilson das Neves, que tocou bateria…
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Quem vai lhe acompanhar no show?
Vou ter o acompanhamento do ilustre violão do Paulão (7 Cordas), o diretor musical do Zeca Pagodinho, junto com meu filho Mauro Diniz. Eles é que vão fazer a parte harmônica. E a percussão é do Felipe de Angola. O palco é pequenininho, né? Uma coisa pra relembrar, vai ser legal. Já fizeram o encarte. A capa é do Lan. Sérgio Cabral, o velho, escreveu um texto. Juarez Barroso, que escreveu a maior parte da contracapa, faleceu. Romeo Nunes, que levou a ideia pro Ramalho Neto, o produtor, também já faleceu…
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O senhor sempre esteve mais próximo da Velha Guarda da Portela?
A Velha Guarda da Portela é o meu reduto mesmo. Quando ela nasceu, Paulinho da Viola foi o responsável. Mas já tinha. Os velhos se chamavam de “velha guarda”. No musical, a Portela foi a pioneira. O sonho de Paulinho da Viola era registrar aquelas músicas antigas do terreiro, da comunidade, que faziam sucesso, aquelas coisas espontâneas. Paulinho quis fazer esse disco e conseguiu realizar o sonho dele. E eu era o mais novo da turma. Paulinho escolheu um samba meu, que deu nome ao disco, “Passado de glória” (1970). A partir daquele disco nós começamos a fazer, esporadicamente, um pouquinho mesmo, uns shows por aí. Viemos a São Paulo pela primeira vez, a convite do Elifas (Andreato). Vicentina era viva ainda, a pastora. Ela era responsável pela feijoada, Paulinho até fez o “provei do famoso feijão da Vicentina”. Daquela turma antiga, já morreram todos, rapaz… Só estamos vivos eu e Casquinha. A Velha Guarda está bem desfalcada hoje. Aos trancos e barrancos, vamos mantendo, mas está difícil, porque não tem peça de reposição. Não tem sentido a gente colocar pessoas que não têm aquela característica do passado. Se ficar enxertando de garotos, perde aquela característica.
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Os garotos não estão pegando a musicalidade da velha guarda?
Não. Botamos alguns porque eram filhos de velhas guardas. Pusemos o Sérgio Procópio, filho de Osmar do Cavaquinho. Mas é garoto novo. Das pastoras morreu Doca, Vicentina… Eunice é viva, mas está velhinha, se aposentou. Daquela turma, ficou Surica e nós botamos Áurea Maria e Neide Santana, duas moças que são filhas do Manacéa e do Chico Santana, autor do nosso hino. Vamos segurando a barra, mas está difícil, vai chegar uma hora que vai acabar.
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No disco, você tem uma parceria com Chico Santana, “Lenço”.
Tenho sim. Nós temos uns quatro ou cinco sambas. Meu grande parceiro.
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Não falta valorizar a memória desses sambistas? Muitos morrem sem a chance de gravar um disco.
Pois é, rapaz, triste né? Eu gostaria que todos os nossos grandes compositores da Portela, que fizeram a história da escola, lutaram pelo Portela, faziam aqueles sambas tirados de dentro do coração, sem pensar em gravar, sem nada… Gostaria que todos tivessem um disco gravado, como nós tivemos com Paulo da Portela. Agora tem um garoto aí, daqui de Santos, novo ainda, que teve a ideia bonita de fazer um disco só com as músicas do Chico (Santana). Manacéa também merecia um disco. O Alcides. Enfim, pra manter eles vivos. Pena que a gente não tem recursos.
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O senhor sente que poderia gravar mais do que já gravou?
Pois é. Eu gravei quatro discos, não posso reclamar muito, não. E tive participação em vários discos, gravei dois pro mercado japonês, dois no Brasil e outro independente, pra uns publicitários aqui de São Paulo – eles fizeram um disco comigo, Guilherme de Brito e Nelson Sargento. Tem o da Eldorado (“Terreiro”, 1980). Gravei “A voz do samba” (1992) e o DVD “Monarco, a memória do samba” (2010). Dois discos lançados no mercado japonês e relançados no Brasil. Mas, em termos de venda, não é aquela coisa, não, sabe? As pessoas compram, mas não é uma coisa comercial.
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Qual o seu samba que, parando pra pensar, o senhor diz que está na medida?
Tenho um samba, que o Martinho da Vila gravou e fez sucesso nacional, “Tudo menos amor”. Eu gravei nesse disco que vai ser comemorado. “Tudo que quiseres te darei, ó flor/ menos meu amor/ darei carinho se tiveres a necessidade…” (canta) Esse samba foi um sucesso, abriu caminho pra mim, os intérpretes passaram a acreditar em mim, as fitas que eu mandava com carinho eles foram gravando… Como Clara Nunes, Paulinho da Viola, o próprio Martinho, João Nogueira, Roberto Ribeiro, mais tarde Zeca Pagodinho. E agora “Coração em desalinho”, uma parceria com Ratinho, que já faleceu, e está na novela “Insensato coração”. É a trilha principal, abre e fecha. “Numa estrada dessa vida/ Eu te conheci/ Oh Flor!…”. Quer dizer, esses dois sambas se destacaram mais na minha carreira.
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O senhor se sente ligado aos sambas-enredo atuais das escolas no carnaval? Mudou bastante?
As coisas mudam, as escolas hoje estão numa correria… Nos sambas de antigamente, o andamento era um pouquinho pra trás, os sambas eram assim mais longos e contavam realmente a história do Brasil: Caxias, os grandes vultos da história, como Castro Alves, Pedro Álvares Cabral. Às vezes se tinha uma aula de pessoas que conheciam a história. Hoje, os enredos são um pouco abstratos, diferentes… Não se pode segurar, o que vai se fazer? A evolução do mundo, o progresso, é do que eles falam. Eu acho um pouco corrido, não faço mais samba-enredo. Já não era meu forte. Meu forte era enaltecer a Portela, os amores, falar da vida cotidiana. Agora, o samba que Candeia fazia, Silas de Oliveira fazia, se eles tivessem aqui hoje, não ganhariam. É muito acelerado, as escolas passam correndo. O passista passa um pouco pra sambar em frente à comissão, aí tem o casal de porta-bandeira e mestre-sala e vem o diretor dizendo: “vambora, vambora, vambora…!”, para não estourar o tempo. As escolas mudaram muito, o negócio do faturamento, essa coisa toda. Alguns sambistas se afastaram, até, porque não se enquadraram nisso.
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Paulinho da Viola, por exemplo.
Paulinho faz dois anos que não sai. Quando ele saiu, estava há 20 anos sem sair na Portela. Nós convidamos uma vez, ele foi lá na Portela numa festa… O falecido Alberto Nonato convidou ele pra sair na Portela. Aí ele desfilou de novo. Ano passado já não desfilou. Este ano ele talvez não vá desfilar. Eu liguei pra ele, ano passado, e ele me disse que não ia sair, não, porque iria viajar. Mas o que me consta é que ele não viajou, não. Sei lá, né? Ele não está se aclimatando mais nisso.
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No samba “Mangueira e suas glórias”, o senhor demonstra admiração por Cartola, Nelson Cavaquinho, Padeirinho… Como é a relação entre as duas escolas?
Fiz aquele samba… Nem tinha nada programado na minha cabeça. Nelson Cavaquinho foi meu padrinho de casamento. Cartola era meu ídolo. Padeirinho era meu amigo, meu parceiro de farra, de copo. Então, nasceu espontaneamente, só fiz esse. E Paulinho fez “Sei lá, Mangueira” com Hermínio (Bello de Carvalho). Inclusive, até causou um pouco de polêmica lá na Portela, o pessoal dirigente não gostou muito… Sendo Portela e elogiar a Mangueira? Isso é bobagem. Mas é uma coisa que aconteceu. Não tenho arrependimento de ter feito. Louvei a Mangueira, tenho muito respeito pela Mangueira, é uma escola tradicional, tanto ela quanto a Portela. Mangueira e Portela sofreram o pão que o diabo amassou no início. Sambista era visto como marginal, samba era negócio de vagabundo. Só fiz esse, não tenho arrependimento, entendeu? Tá feito, tá guardado no meu coração, tenho certeza que não fiz por mal. A inspiração nasceu e eu fiz. Se tivesse a essa altura, faria de novo. Não foi nenhum erro enaltecer a Mangueira, Cartola, Padeirinho, Nelson Cavaquinho, que são eternos, como também já teve mangueirense fazendo samba para enaltecer Paulo, falando da Portela. “Mangueira, sempre foste a primeira… Portela, nossa fiel companheira…”. Sempre houve essa troca de elogios. Cartola fez “Devemos ter adversários como Oswaldo Cruz”. Oswaldo Cruz é o quê? É Portela.
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Na infância, o senhor chegou a pegar alguma rivalidade entre o samba baiano e o carioca?
Não. É diferente. O samba baiano é assim meio de roda. O samba da Portela, do Estácio, da Mangueira, é diferente, tem uma levada diferente. Tinha o samba amaxixado, um samba tocado na Bahia. Eu respeito, mas eu cresci ouvindo os sambas na linha que até hoje eu faço, da Mangueira, da Portela e da Estácio: o samba antigo de terreiro.

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