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Entrevista com Zé Kéti (José Flores de Jesus)

, Entrevistas



Entrevista concedida a Sérgio Cabral, publicada no encarte da série “História das Escolas de Samba” lançada pela Som Livre em 1976:

Em matéria de escola de samba você começou pela Portela mesmo?
Zé Kéti: Quando eu era menino e morava na Piedade, o Geraldo Cunha me levou para assistir a uns ensaios na Mangueira. O Geraldo era compositor da Mangueira, parceiro do Carlos Cachaça, daquela turma, e na época ele fazia muito sucesso por lá. Eu gostei muito da coisa.

Mas você ficou na Mangueira?
Zé Kéti: Não, eu ia só assistir. Depois, mamãe se mudou para Bento Ribeiro porque meu padrasto fez uma casa lá…

Espera aí um pouquinho. Com que idade você estava quando foi à Mangueira?
Zé Kéti: Eu devia ter uns 13, 14 anos. Mas quando me mudei para Bento Ribeiro, que era perto da Portela, fui levado para a escola pelo Armando Santos, que era compositor e foi depois presidente. A Portela ainda não era na Estrada do Portela, 444 não. Era ande é hoje o botequim do Nozinho. Era um terreiro descoberto, não tinha nada.

Você já fazia samba nessa época?
Zé Kéti: Não, eu ia só apreciar a turma. Não dava pra mim, eu ainda era meio garoto.

E quando foi que começou a fazer samba?
Zé Kéti: Aos poucos eu fui me entrosando com Alvaiade e outros compositores da Portela, o Armando Santos, aquele pessoal, e eles me deram força. O meu primeiro samba na Portela fez muita sucesso lá. Era assim:

“Lá vem a Portela
Com suas pastoras
Alegres a cantar
Oba Yoiô, oba Yaiá
Não tememos o vento nem a tempestade
Nem as lindas ondas do mar
Chega, deixa isso pra lá “

Eu não me lembro da segunda parte. Mas o samba fez um sucesso danado na Portela. A segunda parte fala em jequitibá, não sei o que Iá…

Esse foi o primeiro samba para Portela. Mas antes você não fazia?
Zé Kéti: Eu fazia, mas particularmente, só pra mim. O meu segundo samba para a Portela era uma resposta a um samba do Nelson Cavaquinho exaltando a Mangueira. É aquele samba que a Clara Nunes gravou há uns dois anos. Eu aproveitei um verso do samba dele — falando em “Paulo que morreu”— e fiz o meu. Desse samba não me lembro nada, mas o Candeia sabe ele todo. Vou até procurar o Candeia pra ele me ensinar. Eu sou muito esquecido. Acho até que tenho de tomar uns remédios com fosfato, porque não me lembro de vários sambas meus. Se não fosse a lembrança de alguns amigos, como o Candeia, não sei como é que eu ia me arranjar. Esse meu segundo samba, por exemplo, me lembro que era muito bonito. Vou pedir ao Candeia pra me ensinar e vou gravar. Ele é muito bonito.

Nessa época você já desfilava na Portela?
Zé Kéti: Já, e na ala dos compositores. Nas passeatas que a Portela fazia eu também ia com a escola e acabei ficando muito conhecido pela turma de lá.

Mas você andou brigado com a Portela logo depois que você começou a fazer samba por Iá.
Zé Kéti: É que eu sempre fui perseguido por um troço: quando um samba meu faz sucesso aparece um cara para dizer que o samba não é meu. É uma perseguição muito grande. Veja você como é a imaginação das pessoas. Fiz um samba pra Portela que fez muito sucesso. A letra era assim:

“Não, não quero morrer agora
Ingrata morte vai embora
Abandone o meu leito de dor
Peço clemência ao Senhor
Estou em plena flor da idade
Se eu morrer Do mundo levarei saudade”.

Quando lancei esse samba, o Nilson que era um compositor da Portela, um cobra, um grande compositor, ele estava tuberculoso. Depois ele morreu. Então, apareceram uns caras dizendo que o meu samba era dele por causa da letra. Muita gente ficou do meu lado. O Armando Santos, o Alvaiade, muita gente ficou indignada com aquele negócio: “Não senhor! Esse samba e do Zé Kéti. Ele lançou aqui na Portela, o Nilson estava vivo, e ele próprio cantava. Que negócio é esse de dizer que o samba não é do Zé?” Mas eu fiquei muito triste e me afastei da escola.

Voltando ao tempo em que você era criança, o seu primeiro contato com escola de samba parece que não foi na Mangueira. Estou me lembrando de um samba seu que fala em desfile na Praça Onze.
Zé Kéti: Ah! Foi um samba em que falo do tempo em que eu era menino, bem menino. Tinha uns quatro anos de idade. Minha mãe me levava para assistir aos destiles da Praça Onze. Mas eu não agüentava e acabava dormindo na calçada. Esse samba que você falou conta mais ou menos essa lembrança:

“Favela, do Camisa Preta,
Do Sete Coroas
Cadê o teu samba, Favela?
Era criança na Praça Onze
Eu corria pra te ver desfilar
Favela, teu samba era quente
Fazia meu povo vibrar”

Qual é a lembrança que você tem do Paulo da Portela?
Zé Kéti: Ah! O Paulo… Ele era assim bem escuro, sabe? Um escuro bonito. A pele escura tem varias tonalidades, tem várias pretos. O Paula era um preto de uma pele lustrosa, brilhante, amarronzada escura. Muito alto, muito elegante, ele era muito vivo, muito lúcido Era uma pessoa que não ficava parada não. Estava sempre falando, gesticulando. Era simpático, inteligente, uma pessoa muita bacana. Aliás, eu me lembro muito da turma toda daquela época. O João do Gente, Manoel Bam Bam Bam, o Doce, o Candeia Velho, o Pai da Bubu, um negão forte, me esqueço do nome dele… Me lembro da turma toda.

Você tem um samba que fala da Paulo, do enterro dele, uma coisa assim.
Zé Kéti: É uma homenagem a ele e a vários outros:

“Os sambistas não morrem
Sambistas viajam pro reino do glória.
Foram Caquera. Sinhô,
Noel e Claudionor
Grandes vultos na historia do samba
Todas as escolas fizeram
Pra cada um funeral”

Depois eu falo no Paulo da Portela, no enterro dele, mas não estou lembrado do samba todo.

Você conheceu o Caquera?
Zé Kéti: Conheci. Era de Bento Ribeiro. Ele era da Escola de Samba Lira do Amor, que a gente chamava de “pega dormindo”, porque os ensaios iam até de madrugada O Caquera era um mulato muito inteligente também, trabalhador e era quem botava a escola pra frente. Teve uma morte terrível.

A escola acabou depois da morte dele. Ele estava em cima da caminhão arrumando as coisas e o motor do caminhão estava trabalhando. Ai, as cordas que estavam no pescoço dele desceram por um buraco da carroceria se enrolaram no eixo e ele morreu estrangulado. No ano seguinte circulou em Bento Ribeiro um samba assim:

“Ouvi dizer, ouvi falar
Que a Lira do Amor
Este ano não desfilará
Porque a tristeza lá impera
Por causa da morte
Do amigo Caquera
Foi num dia de alegria
Que a tragédia se deu
Foi no carnaval passado
Que o Caquera morreu
Já não se ouve o canto
Daquele sabiá,
Todo o Lira está em pranto,
Todo o mundo a chorar”.

Zé Kéti: Foi uma coisa muito triste. O Caquera tinha uns 50 anos quando morreu. Ele era tudo na Escola de Samba Lira do Amor.

O samba “Leviana” foi lançado na Portela depois daquela briga, não foi?
Zé Kéti: Foi. Lancei em 1954 como samba de terreiro na Portela. Foi um sucesso danado. Me lembro que uma vez nós fomos na Mangueira e todo o mundo cantou o samba. O Jamelão gostou muito e gravou e foi o primeiro grande sucesso dele. Foi uma coqueluche. Depois o samba entrou no filme Ria 40 graus, do Nélson Pereira dos Santos.

Quando você brigou com a Portela você foi para a União de Vaz Lobo, não foi?
Zé Kéti: Isso mesmo. Fui pra lá, que era a escala do seu Damásio. Fiquei muito bem na União de Vaz Lobo. Me lembro, por exemplo, que levei o Ciro Monteiro pra visitar a escola, levei o pessoal da alta sociedade, levei uma porção de gente. Fui um dos primeiros a levar o pessoal da alta sociedade em escola de samba. Eu era muita amigo do Luiz Paulo Nogueira, f ilho do senador Hamilton Nogueira, e através dele, foi muito grã fino na União de Vaz Lobo. Eram caravanas de automóveis.

Inclusive foi na União de Vaz Lobo que você lançou o samba A Voz do Morro.
Zé Kéti: Foi um grande sucesso na quadra. De lá, o samba foi para o Rio 40 Graus, foi gravado por Jorge Goulart e acabou virando um sucesso no mundo inteiro. Foram feitas não sei quantas gravações no estrangeiro.

Como foi a sua aproximação com o Nélson Pereira dos Santos para o filme Rio 40 Graus?
Zé Kéti: Foi através do jornalista Vargas Junior. Eu cantei A Voz do Morro pra ele naquele bar em frente à sede da ABI, o Vermelhinho. Ele gostou e me apresentou ao Nélson Pereira dos Santos. Ai fiquei como ator, assistente de câmara e compositor do filme. Eu sei que a musica não era de carnaval mas acabou estourando no carnaval e me deu uma nota muita boa na época: Cr$ 110,00 Cr$. Foram 100,00 de arrecadação e 10,00 de prêmio por ter sido sucesso nacional.

Mas você não demorou muito longe da Portela.
Zé Kéti: Logo depois eu voltei. O pessoal começou a me pedir e acabei voltando. Como agora: estou afastado mas os meus amigos da Portela estão me pedindo para voltar. Hoje mesmo encontrei com a Verinha, relações publicas da escola, e ela me perguntou: Como é, quando e que você vai voltar? Como na outra vez. Eu não saí… apenas me afastei.

Você está se esquecendo de falar de algumas musicas suas que fizeram sucesso. Amor passageiro, por exemplo.
Zé Kéti: Amor passageiro foi gravado por Linda Batista e fez muito sucesso no carnaval de 1952. Também foi lançado na União de Vaz Lobo. Naquela época eu já andava no meio de musica e eu procurava muito a Linda Batista porque sempre ela me dava guarida. Havia também uma dupla chamada “As Garotas Tropicais”. Outra era uma moça que cantava o saudoso samba sincopado, cantava espetacularmente, uma moça chamada Elza Valle, uma morena de olhos verdes. Era ótima no samba sincopado. Tinha um ritmo alucinante e um ritmo na voz muito bacana. Quem acompanhava era o regional do Benedito Lacerda, uma coisa sensacional. Então eu procurava muito essa gente que me dava guarida. Eu não gravava muito, mas elas cantavam na rádio as minhas musicas. Até a Linda Batista resolveu gravar o Amor Passageiro e foi aquele sucesso.

Qual foi a sua primeira musica gravada?
Zé Kéti: Foi em 1946, um samba chamado “Tio Sam no Samba”, uma musica que teve parceria do Felisberto Martins que na época era diretor da Odeon. Quem gravou foi o conjunto Vocalistas Tropicais.

E naquele ano mesmo, gravei “Vivo Bem” para o carnaval com o saudosíssimo, o amigo que a gente não esquece jamais, Ciro Monteiro. O meu parceiro na musica foi o Ari Monteiro. Eu andava pela Rádio Mayrink Veiga e o Ciro me falou: “Olha Zé, só vou gravar essa musica porque você não é chato”. Ele falou por causa daquele negócio de uma porção de compositor andar atrás do cantor chateando, e eu não fazia isso. Me lembro bem da gravação: Raul de Barros no trombone, Gilberto que está na RCA no ritmo, Odete Amaral no coro, etc. Era um samba assim:

“Juro
Que sou feliz com meu amor
Ah! Essa união
Eu agradeço a Nosso Senhor”

Você ficou triste do Natal ter morrido meio brigado com você?
Zé Kéti: Fiquei. De qualquer forma, a gente brigava, mas eu gostava muito dele. Quer dizer: brigava, mas politicamente. Nessa briga que a gente teve, par causa da disputa do samba enredo, naquele ano que Jair Amorim e Evaldo Gouveia fizeram o samba-enredo da Portela, eu fiquei muito chateado e criei caso mesmo. O Natal andou até dizendo para conhecidos nossos:

“Eu gosto muito do Zé Kéti. Na minha casa ele vai quando ele quiser. Mas na Portela ele não entra. É uma ovelha negra que brigou e arrastou toda o mundo com ele”. É que me afastei e muita gente mesmo me acompanhou. Na verdade foi uma revolta danada. Fiz até um samba pra ele. Quando cantei – olha que a gente estava brigado – ele me abraçou e me agradeceu. Se Deus quiser, quando gravar meu LP vou botar esse samba:

“Dia de festa
De terno branco
Lá vai ele de chinelo
Ou então vai arrastando
O seu tamanco”

É que o Natal podia vestir o terno branco mais alinhado, mas não calçava sapato.

Comentários

Parabéns pela entrevista. Sou neto deste grande sambista e pude conhecer um pouco mais sobre meu avô.

Parabéns pela entrevista. Sou neto deste grande sambista e pude conhecer um pouco mais sobre meu avô.

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