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“A Praça Onze anuncia: morreu o malandro mais famoso do Estácio de Sá”…
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Assim é anunciado um lindo samba feito pelos meus amigos Tuco e Fernando Paiva em homenagem a um dos mais importantes sambistas do Estácio, o Mano Edgar.
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Edgar Marcelino dos Passos, o famoso Mano Edgar era mulato malandro que trabalhava como ajudante de caminhão de entrega da Companhia de Cigarros Souza Cruz, mas na realidade vivia de jogo e das prostitutas do Mangue, zona oficializada no final dos anos 20 como o baixo meretrício. Foi compositor de poucos, porém excelentes sambas.
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Edgar morreu cedo, assassinado na véspera de natal aos 29 anos de idade. Foi um dos grandes responsáveis pela criação do chamado “Samba de Sambar”, ou apenas “Samba do Estácio”, uma das mais ricas expressões da musica popular brasileira que nasceu com força total no bairro do Estácio de Sá e teve seu auge criativo entre os anos de 1928 e 1931.
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Segundo Bide (Alcebíades Barcelos, inventor do surdo e um dos mais importantes nomes do Estácio) Mano Edgar foi o primeiro a fazer samba no Estácio. Depois de Mano Edgar e sua turma o samba nunca mais foi o mesmo.
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No livro “Samba de Sambar do Estácio” de autoria do pesquisador Humberto Franceschi, a maior autoridade sobre o samba do Estácio ainda viva há uma passagem bastante interessante sobre a morte de Mano Edgar, inclusive com a transcrição de uma nota emitida por um jornal da época noticiando a morte prematura e brutal do sambista:
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MORTE DE MANO EDGAR
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Edgar Marcelino dos Passos, o Mano Edgar, ostentava elegância pitoresca no trajar, tanto no Mangue como fora dele. Exibia com orgulho fileira de dentes de ouro. Ambas as vaidades só possíveis pelo jogo, pelas mulheres do mangue, jamais pelo emprego modesto de ajudante de caminhão.
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A morte de Mano Edgar, em seguida à de Nilton Bastos, determinou o início da morte do próprio Estácio. O desaparecimento de ambos deixou uma lacuna nunca preenchida. Ao lado de Ismael Silva e Alcebíades Barcellos, Edgar pode ser considerado dos mais importantes compositores da primeira fase, ainda como integrante do grupo que produziu música apenas para o desfile do bloco do Estácio no carnaval da praça Onze. Bide afirmou que Edgar foi o primeiro a fazer samba no Estácio.
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A circunstância trágica de sua morte não foi fato surpreendente para o meio, mas estabeleceu marco divisório na integridade do conjunto do Estácio. Os jornais a noticiaram com a simplicidade da rotina das seções de polícia, em 25 de dezembro de 1931. Uma das notas mais extensas descrevia:
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Pelas costas e de surpresa!
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Matou o desafeto com certeiro tiro na nuca e evadiu-se. O autor do crime é um liberado condicional.
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O crime de morte ocorrido ontem à noite na Cidade Nova revolta pela requintada covardia com que foi praticado. Um indivíduo de péssimos precedentes, que há pouco saíra da prisão beneficiado por um imerecido sursis, abateu pelas costas e de surpresa um seu antigo desafeto, evadindo-se depois.
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Verificou-se o fato à porta da casa n° 40 da rua Carmo Neto, onde há pouco funcionou uma barbearia de propriedade de Ernestino Mendes de Almeida, que ali ainda reside. Depois de ter fechado, conversava Ernestino à porta da casa com seu amigo Edgard Marcelino dos Passos, de 32 anos, brasileiro, solteiro, ajudante de caminhão da Cia. de Cigarros Souza Cruz, morador à rua Senador Euzébio, 538, quando aproximou-se sorrateiramente o “bicheiro” conhecido pelo vulgo de ” Mulatinho “.
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Os dois homens não perceberam e o recém-chegado, aproximando-se de Edgard, sacou num gesto rápido de um revólver e alvejou certeiro tiro na nuca, prostrando-o ao solo, moribundo.
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Ao que ficou apurado na delegacia do I4° distrito, “Mulatinho”, que é bicheiro conforme dissemos linhas acima, tornou-se inimigo da vítima por questões relativas àquele jogo. Ainda ontem à tarde, ambos tiveram forte discussão e Mulatinho, incapaz de enfrentar Edgard, se retirara planejando vingança que mais tarde pôs em prática perversa e covardemente.
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O criminoso é Antônio José da Silva.
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Edgard é o autor de “Quem eu deixar não quero mais”
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(Recorte não identificado, colação de Humberto Franceschi)
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Fonte: Samba de Sambar do Estácio, 1928 a 1931. Instituto Moreira Salles. 2010.
Quem eu deixar não quero mais (Mano Edgar)
Samba originalmente lançado por Francisco Alves em 1928 sem o nome de Edgar como autor.
Nessa gravação consta o nome de João de Oliveira
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Intérprete: Francisco Alves e Orquestra Pan American, 1928
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Intérprete: Tuco e Batalhão de Sambistas, 2010
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Quem eu deixar não quero mais
Não dou meu braço a torcer
Guarda tua beleza, meu bem
Pra quem não conhecer você
Tens um dente de ouro, fui eu que mandei botar
Vou te rogar uma praga para esse dente quebrar
Tu és muito orgulhosa, que riqueza tem você?
Uma saia e uma camisa, fui eu que mandei fazer
Mulher da tua marca tenho tido aos punhados
Eu quero viver sozinho para não ter pecado
Eu não tenho alegria, ando triste sempre assim
Por causa de você andam falando de mim
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É o samba de Mano Edgar atravessando o século rapaziada! Salve Tuco e seu Batalhão pela bela homenagem ao Mano Edgar! E as homenagens não param. Segue uma gravação do lindo samba do Tuco e do Fernando Paiva que citei logo no começo da postagem:
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Mano Edgar
(Tuco e Fernando Paiva)
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Todo o Estácio quer saber
Ó Edgar, Mano Edgar
Onde é que está você
Todo o Estácio quer saber
Qual será o paradeiro do grande bamba do lugar
Ó Edgar, Mano Edgar
As damas do mangue lamentam
E os bons malandros te representam
Mas sentem sua falta no Deixa Falar
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No largo de São João
Bem na Tijuca, por lá se criou
Um sambista de bom coração
E ao lado de Ismael fundou
A primeira escola de samba
Mas logo em seguida partiu
E a Praça Onze de luto chorou
Até o Bar do Apollo fechou
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