Especial Paulo da Portela: Parte 7
, Especial Paulo da Portela
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No Brasil do início do século XX, a população negra definhava. Esquecidos pela nova ordem econômica que se iniciava, substituídos pelos imigrantes europeus, os negros padeciam sem um lugar na sociedade. Migravam do interior, das antigas fazendas, para os guetos e vielas das grandes cidades, trazendo em suas mentes algo que se manteve intacto apesar dos anos de cativeiro: os hábitos, costumes e visões de mundo herdados da mãe África
A “democracia racial” brasileira, mito surgido na década de 30, pregava a harmonia racial como uma das características da sociedade brasileira. Isso escamoteava o racismo, acobertando a discriminação numa ilusória relação pessoal, típica da formação cultural brasileira, que simplesmente anulava o segregacionismo, e não o preconceito.
A população negra era vítima de uma enorme contradição: eram rotulados de “vagabundos” pela mesma sociedade que lhes negava trabalho. Nesse cenário, Paulo surge como grande líder. Lutava contra os estereótipos que marcavam o negro e, como conseqüência, o sambista. Procurava demonstrar que o negro era capaz, e que sua produção cultural existia, era rica e precisava ser respeitada.
A própria imagem de Paulo já questionava qualquer estereótipo preconceituosamente construído. Trabalhador, elegante e educado, Paulo mostrava que os negros não estavam fadados à ignorância, como muitos acreditavam, e que a situação em que se encontravam era fruto da cruel situação social à qual estavam submetidos.
Paulo queria libertar seu povo das amarras da discriminação. A dignidade dos portelenses sempre foi exigida por Paulo, e seus ensinamentos fizerem da Portela uma escola diferente. Exigindo “pés e pescoços ocupados”, Paulo demonstrava que, através da roupa, os negros poderiam transmitir uma imagem de dignidade e respeito.
Paulo esteve muito à frente de sua época. Levantou temas que mais tarde seriam bandeiras dos movimentos negros, tanto do Brasil como do exterior. A idéia de demonstrar a dignidade através da roupa, chamada de “pés e pescoços ocupados”, foi, anos mais tarde, adotada pelo líder negro americano Malcom X. Se tivesse nascido nos Estados Unidos, Paulo estaria no mesmo patamar que os festejados defensores internacionais da causa negra.
De certa forma, Paulo acreditava numa “revolução silenciosa” na maneira de pensar da sociedade. Transmitia sua mensagem de maneira digna, respeitosa e pacífica, tendo sua própria imagem como exemplo. O exemplo da capacidade de um povo.
Os anos passaram, mas as imagens contra as quais Paulo lutava, infelizmente, continuam atuais. Permanecem mais vivas do que nunca. A luta pela dignidade do povo negro nunca cessou, os estereótipos ainda fazem suas vítimas. O discurso de Paulo, hoje, não é mais privilégio de um líder que estava à frente de seu tempo; é tema central nos grupos que lutam contra a desigual situação racial brasileira.
Vivemos num mundo cada vez mais intolerante. Um mundo onde “diferente” se tornou sinônimo de “inimigo”. Onde a violência transformou-se na única arma contra a desigualdade. Onde se mata e morre pela raça ou pela religião. A humanidade parece não aprender. O preconceito racial manchou de sangue a História ao longo dos séculos, e, em pleno século XXI, volta ao debate em todas as partes do mundo, seja na Europa, nos Estados Unidos, no Oriente Médio ou mesmo na América Latina. Nesse cenário desolador, a pacífica mensagem de Paulo aparece como uma utopia, um sonho, um devaneio.
Paulo estava realmente à frente de seu tempo. Um dia percebeu a situação em que o negro brasileiro se encontrava; chegou o dia em que todos também perceberam. Percebeu que as conquistas devem ser conseguidas de maneira pacífica, digna e respeitosa; um dia todos perceberão, pois esse tempo ainda está por vir.