Kazinho...
, Coletâneas do Receita
Há uns tempos meu amigo Tiago Novato me questionou sobre um sambista paulista chamado Kazinho. Nunca tinha ouvido falar dele, mas prometi que ia buscar algumas coisas. Passados alguns meses, apesar de descobrir que ele na verdade é Paraense de Belém e que além de sambista é um baita forrozeiro, continuo não sabendo muito coisa mas consegui reunir um material interessante sobre ele.
Segue abaixo uma coletânea com 15 sambas, baiões e etc. que consegui reunir pela internet. Sei que ele tem muito mais coisas, principalmente composições feitas para sua Escola, a Mocidade Alegre:
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Kazinho – Eu nasci em Belém do Pará. Comecei a gostar por causa de papai e mamãe. Os dois eram cantores e violonistas. Quando eu tinha quatro, cinco anos eles formaram um bloco carnavalesco. Papai chutava umas boas, mas mamãe não gostava disso (risos). Ela dizia: “Olha aí Oscar. Seu pai já vem dançando foxtrote rápido”. Depois que ele morreu, ela passou a beber também.
O senhor já torcia pro Paysandu?
Kazinho – Sempre fui torcedor do Paysandu. Fiz parte do juvenil do time quando eu tinha dezesseis, dezessete anos. Eu tinha uma fama de ter a testa dura. Quando eu pulava, os outros jogadores tinham medo de pular comigo com medo que eu desse testada neles. Por isso, o pessoal me respeitava bastante. Eu sempre gostei de jogar nas extremas, seja no ataque ou na defesa. Nunca gostei de jogar no meio.
Quais cantores o senhor tinha como ídolos?
Kazinho- Eu sempre fui fã do Ciro Monteiro. Outro que eu admirava era o Dilermando Pinheiro. O Dilermando cantava acompanhado por um chapéu de palha dele. Ele bebia muito, morreu muito novo.
O senhor chegou a conhecê-lo?
Kazinho- Sim.
Ele usava o chapéu de palha como o Luiz Barbosa.
Sim, ele era uma espécie de discípulo do Luiz Barbosa.
Como ele era?
Kazinho – Meio calvo, bem carioca. Quando a gente saia era um sarro. Ele falava: “Ei, Kazinho, não precisa vir me bater, não”. Ele com aquele chapéu de palha era um negócio. Ele ia gravar um samba meu, mas ele morreu. O Dilermando chegou a aprender a letra toda, mas depois o samba acabou não sendo gravado.
O Ciro o senhor também conheceu? Quando foi isso?
Kazinho – Eu cheguei ao Rio em 1950. O Ciro eu conheci em 52, por aí. Ele me chamava de sobrinho, porque eu usava o cabelo igual ao dele. Chegava na roda de samba, ele falava: “Olha, chegou agora o meu sobrinho”. Ele era bom de porrada, mas quando ele ficou com idade me falou: “Meu sobrinho, estou ficando triste porque eu não agüento mais uma briga” (risos). Eu sabia todo repertório dele.
O Geraldo Pereira o senhor chegou a conhecer?
Kazinho – Cheguei. Ele também era um cara bom pra xuxu. Como as pessoas morrem assim? Pelo que eu ouvi contar ele foi desafiar o Madame Satã. Parece que ele tomou umas a mais e desafiou ele. Como é que pode? O Madame….O cara era bicha mas era bom de porrada (risos).
Como era a Lapa do Rio nos anos 50?
Kazinho – Era lugar de boêmio. Tinham os caras bons de porrada, mas a maioria eram boêmios somente. Eu cantei no Cabaré Brasil durante muito tempo. Tinha muita mulherada e eu gostava de ver elas trocando de roupa. O diretor da boate me falava: “Kazinho, avisa a Lu que tá na hora dela entrar”. Eu chegava e a moça ainda estava nua (risos). Graças a Deus, eu tive muita mulher na vida (risos). A minha história na noite tem várias passagens interessantes.
Por que o senhor veio pra São Paulo?
Kazinho – Naquele tempo, eu vivia indo de um emprego pra outro. Boêmia né? Nessa época, eu já trabalhava com contabilidade. Aí eu falei: “Eu vou pra São Paulo, não vou mais ficar aqui”. Os outros músicos da noite falaram pra mim: “Kazinho, não vai que os paulistas são fechados. Você é não vai conseguir se adaptar”. Não me queixo de São Paulo. Logo eu arranjei emprego. Eu vim aqui como representante comercial e depois ia pro samba.
O senhor me falou que os compositores Venâncio e o Corumba ajudaram muito você quando você chegou em São Paulo. Fale sobre eles.
Kazinho – Eles me orientavam muito. Foram os meus pais quando eu cheguei aqui. Gostavam de ver que eu estava na linha, usando roupas finas. Antigamente, todo mundo pra sair tinha que usar terno, gravata, essas coisas. O Venâncio era mais mão aberta.
Como o senhor ganhou o apelido de Kazinho?
Kazinho – Gozado. Como o meu nome é Oscar, o pessoal me chamava de Kazo. Então com o tempo acabou ficando Kazinho.
O senhor acha que teria mais chance de aparecer como cantor e compositor no Rio?
Kazinho – Não, eu tive mais chance em São Paulo mesmo. No Rio, eu gravei somente um compacto com uma canção chamada Mulher de Compromisso. O José Messias não queria trabalhar o meu disco porque dizia que eu estava fazendo apologia ao cara que ficava com a mulher dos outros. O Zé Messias gostava muito das minhas coisas.
Em São Paulo, em que lugares o senhor cantou?
Kazinho – Hoje, todos esses lugares não existem mais. Cantei muito no Brás. Lá tinham várias casas noturnas. Cantei em bares, boates, cabarés.
Como era o Caco Velho?
Kazinho – Ah, eu conheci ele no final de vida. Ele tinha um escritório na rua Barão de Itapetininga. Eu conversei várias vezes com ele. Eu queria passar uma música minha pra ele gravar. Ele me falava: “É complicado, meu filho, mas eu já tenho um repertório anotado”. Ele era um cara bom e não era metido a besta. Tem cara que tem um nomezinho e já sobe em pedestal.
Como o senhor conheceu o Germano Mathias?
Kazinho – Foi no ambiente noturno. Depois, ele ouviu as minhas músicas, gostou e acabou gravando cinco. Ficou muito meu amigo e me ajudava muito. O Germano nunca foi um cara metido a besta, também. O pessoal fala que ele era de porrada, mas ele nunca foi. Sempre foi um grande gozador.
Como o senhor fez Eu e a Saudade Pela Rua?
Kazinho – Isso eu fiz quando eu me separei da minha primeira esposa. Eu gostava muito dela. Mas eu vivia com outras mulheres, na rua, no samba, mas sempre lembrava dela. Por isso, acabei fazendo esta canção.
As músicas românticas do senhor sempre foram inspiradas em musas?
Kazinho – Sempre. Inclusive eu estive recentemente no Rio visitando a minha filha. E encontrei com a minha primeira esposa. A gente se dá bem. Ela está com outro cidadão, mas a gente se respeita muito. Maura é o nome dela. Ela continua bonita, até hoje.
Ela sabe que essa música foi feita pra ela?
Kazinho – Sabe.
Deu a Loca na Nega também foi pra uma mulher?
Kazinho – Sim, foi pra Lúcia, minha segunda esposa. Infelizmente, ela já faleceu. Como eu te disse, eu era muito boêmio. A nega coitadinha, sofreu muito com a minha boêmia. Eu não maltratava ela, mas de vez em quando eu sumia (risos). Eu ficava dois ou três dias longe de casa (risos). Um dia ela ficou tão louca que chegou a ir na polícia para procurar por mim. Ela foi no IML porque diziam que tinha um Oscar lá. Parece que o camarada era realmente parecido comigo e ela pensou que era eu. O Jorge Costa gozava muito ela: “Estão pedindo pro Kazinho cantar o Deu a Louca na Nega”. No fim, ela mesmo incentivou eu a cantar a música. O Jorge Costa era um gozador…
O senhor conheceu ele aqui em São Paulo?
Kazinho – Sim. Com o Jorge Costa a gente fazia uma gozação com ele. A gente falava que ele tinha uma rola que não era brincadeira. Ele ficava puto: “Porra, vocês estão me estragando”. Eu falava pras namoradas dele: “O Jorge Costa tem uma rola que vai rasgar você no meio” (risos). As mulheres ficavam loucas e ele mais puto ainda: “Porra, a mulher queria dar pra mim, agora não quer mais” (gargalhadas). São passagens da noite que a gente não esquece.
É verdade que o Jorge era um cara politizado? De esquerda?
Kazinho – Era, sim. Mas não era um cara metido. Só tinha pose. Você chegava nele e ele te atendia na hora. Ele era dono de vários sucessos como compositor. O Jair Rodrigues gravou as coisas dele. O Jorge Costa me tornou bastante conhecido na noite. Ele cantava O Samba Como Ele É nos shows dele. Ele e o Guaracy do Pandeiro me tornaram mais conhecidos. Quando eu cheguei do Rio, eu ainda não era conhecido. Ele tornou a minha música muito conhecida na noite de São Paulo. Quando eu cheguei, já estava feito por eles. Infelizmente, os dois já foram embora.
O Jorge teve problemas no final de vida dele?
Kazinho – Não, ele estava bem. Mas depois ele adoeceu e não sei o que deu nele. Fui visitá-lo no hospital e ele não conseguia me reconhecer. Estava enrolado na cama. Eu falei pra enfermeira: “Agora ele vai me reconhecer”. Comecei a cantar O Samba Como Ele É e no mesmo instante ele me falou: “O Kazinho….”. Como uma música marca as pessoas…
E o Noite Ilustrada? Como o senhor conheceu ele?
Kazinho – O Noite foi meu companheiro de vida boêmia. Primeiro eu fazia a contabilidade dele. Ali nos conhecemos e foi outra pessoa que me deu um empurrão na noite. Ele também era boêmio, safado. Chegava aquela mulherada, duas, três mulheres. Ele falava: “Olha, menina, o Kazinho está sem mulher nenhuma. Fica com ele lá” (risos). Uma vez eu saí com o Noite e ficamos bêbados. Ele voltou dirigindo. De repente, quando eu me dou por mim nós estávamos fora de São Paulo. Eu falei pro Noite: “Mas porra, quem disse que eu moro aqui?”. Ele ficou me sacaneando: “Porra Kazinho, você nem sabe mais onde mora” (risos).
Como era o relacionamento do Noite com o Ataulfo?
Kazinho – Era como eu e o Ciro Monteiro. Ele tentava ter o mesmo estilo do Ataulfo. O artista do passado era boêmio, o artista de hoje é profissional. Isso é bem diferente.
O senhor chegou a cantar na Boate Meninão? Era na Alameda Nothmann…
Kazinho – Eu cantei muito ali. Numa boate atrás da Igreja de Santa Cecília. Alameda Nothmann. Agora acabou, né?
Acabou.
Kazinho – Mas era gostoso. Você andava na noite e não tinha medo de ninguém, não era assaltado. Hoje, o cara te assalta de dia.
O senhor chegou a conhecer Mauricy Moura?
Kazinho – Claro. Bebi muito com Mauricy Moura. Ele era muito boêmio e bom cantor também. Acompanhei ele tocando pandeiro várias vezes. Uma vez, estávamos em um bar tocando samba e ele cantando as músicas bonitas que ele cantava. Chegou um policial e falou: “Vamos lá pra delegacia”. Quando foi a minha vez, eu dei o meu nome e tudo. Me perguntaram o que eu fazia. Respondi: “Eu estava tocando com o Mauricy Moura”. O policial me falou: “Mauricy Moura? O que esse cara faz aqui. Se está com Mauricy não tem problema” (risos). Ele era conhecido até pela polícia. Ele já morreu, né?
Sim. E dizem que ele morreu com pouca grana.
Kazinho – Ah, Mauricy era boêmio. Como eu, sempre fui um cara boêmio. Hoje, não tenho nada, graças a Deus (risos). Eu tenho somente meus utensílios, um toca discos e algumas coisinhas. Tenho uma máquina de escrever. Mas eu sempre tive roupas bonitas, sapatos caprichados…
Estou vendo. O senhor usa relógio, corrente…
Kazinho – O boêmio sempre anda bonito. Eu era um cara metido a comedor. Então, tinha que andar bonito pras meninas me pegarem (risos). Por isso, eu acho que cheguei aos 81 anos e estou assim. Muita gente não acredita que eu estou com essa idade. O Germano Mathias que me enche o saco: “Kazinho, você mete ainda?”. Respondo pra ele: “Agora. pra fazer isso, eu tenho que fazer oração” (risos). Germano é um sarro.
O senhor chegou a conhecer o Moraes Sarmento? Ele ajudava muito os cantores da noite de São Paulo.
Kazinho – Esse era meu fã. Moraes Sarmento tinha um programa e eu fui lá cantar. Ele me falou: “Kazinho, não é esse ritmo de samba que você tem que cantar. Você tem que cantar com regional”. Quando eu dei o disco pra ele, eu estava cantando acompanhado com piano, baixo e bateria. Depois, eu passei a cantar com conjunto e batendo no pandeiro. Eu não era Bossa Nova, eu sempre fui do samba autêntico, antigo, dos boêmios.
Outro cantor da noite de São Paulo muito importante foi o Lúcio Cardim. O senhor chegou a travar contato com ele?
Kazinho – Foi muito meu amigo. Eu estava numa boate no centro cantando. Tinha lá um delegado, uns políticos e a moça me falou: “Está na hora de outro rapaz entrar”. O delegado falou: “Se o Kazinho sair de cena eu prendo todo mundo aqui e não tem mais boate. O Kazinho tem que cantar”. Esse garoto que ele não deixou entrar era o Lúcio Cardim.
Uma música de autoria do senhor, Isto É São Paulo, foi gravada pelos Demônios da Garoa. Como o senhor fez esta canção?
Kazinho – Todo ano eles tocam essa música no 25 de janeiro, quando é aniversário da cidade. Eu estava cantando na noite, numa boate que o Jorge Costa tinha. De repente, eu cantei este samba. Os caras do Demônios da Garoa estavam observando a minha apresentação. Eles gostaram da canção e chegaram em mim: “Kazinho, vai lá que nós vamos gravar o seu samba”. Eles gravaram e é a música que mais me deu direito autoral. Infelizmente, a imprensa só destaca as músicas do Demônios que foram feitas pelo Adoniran. E os outros compositores, como ficam?
O senhor chegou a conhecer o Adoniran?
Kazinho – Sim. Conheci logo quando eu cheguei em São Paulo. Um amigo me apresentou: “Esse aqui é o Kazinho, um cantor de boates e cabarés do Rio”. Ele mandou eu cantar. Aí eu cantei Saudosa Maloca. O Adoniran me elogiou: “Gostei, menino, gostei. Você tem a voz bonita”. Depois, o colega que me trouxe do Rio sabia que eu tinha uma letra de putaria, uma paródia da música do Adoniran. Quando eu saia do cabaré do Rio, as putas me levavam para um bar que elas tinham e falavam: “Kazinho, canta aquela música sua, Saudosa Xoxota” (risos). Nesse dia com o Adoniran eu cantei essa paródia e ele ficou bravo: “Eu gostei de você. Você cantou bonito, mas depois que você cantou isso e esculhambou o meu samba”. Depois ficamos amigos e ele acabou me quebrando o galho várias vezes.
O Noite se dava bem com ele?
Kazinho – Sim. O Noite se dava bem com todo mundo. Ele também jogava futebol e bem. Mas ele era boêmio, como eu. Agora estou aposentado. O Noite gravou com todo mundo.
Por que o Noite assinava as músicas como compositor como Marques Filho?
Kazinho – Com o tempo, ele passou a usar o nome verdadeiro como compositor e como cantor usava o pseudônimo de Noite Ilustrada. Ele falava que ficava chato samba do Noite Ilustrada cantado pelo Noite Ilustrada.
Tinha uma casa noturna bastante importante aqui em São Paulo chamada Jogral. O senhor chegou a se apresentar lá?
Kazinho – Meu filho, ali era um local que só iam as feras. Só os melhores.Fiquei lá poucas vezes. Nunca fui contratado pelo Jogral, mas algumas vezes me apresentei lá.
O senhor chegou a conhecer o Nelson Gonçalves?
Kazinho – O Nelson eu conheci aqui em São Paulo mesmo. Numa noite, eu contei pra ele uma passagem que eu tive com dezenove anos em Belém do Pará. Um camarada naquela época me deu cinqüenta mil réis pra eu fazer uma serenata pra namorada dele. Ele só não me disse que a mulher era casada (risos). Eu estava todo contente cantando a música e o marido dela deu três tiros. Ele não me acertou, mas deu pra assustar. Fiquei atrás de uma mangueira. Em Belém, sempre teve muita mangueira. O Nelson ficava me gozando: “Pô, Kazinho vais cantar pra uma mulher casada? Queria ser recebido com flores? Tinha que ser recebido com bala, mesmo”(risos).
A Cláudia Barroso foi uma cantora muito famosa aqui na noite de São Paulo. O senhor teve muito contato com ela?
Kazinho – Claro. A Cláudia era uma boêmia formidável. Bonitona, amiga e muito boêmia. Eu também parei com a noite, não sei como ela anda. Aquela turma daquela época parece que era tudo uma grande irmandade.
O senhor acha que havia menos concorrência entre os artistas?
Kazinho – Não havia isso. E não existia maldade entre os cantores. Se você estava duro, o cara chegava pra você: “Olha, Kazinho, está aqui, fica com esse dinheiro”. Muitas vezes você nem precisava pagar. Uma vez eu me vi perdido com um bando de chineses e todos queriam me dar porrada (risos). Essa menina, a Cláudia Barroso, chegou e falou com eles: “O Kazinho é meu amigo. O que aconteceu?”. Falei que eu não queria confusão. Mas eles me botaram na roda e queriam me prejudicar (risos). Hoje, os cantores querem tomar um o lugar do outro. Não se respeitam tanto.
O senhor tem outras dessas histórias da noite de São Paulo?
Kazinho – Bastante. Tive um grande amigo que era violonista. Ele sempre andava bem vestido, com gravata borboleta e tudo. O nome dele era Geraldino. Ele tocava bem, cantava e brigava muito bem. Bebia legal e mexeu com tóxico. Uma vez ele estava fora de circulação e entrou numa igreja. O padre estava fazendo o sermão e ele ficou gritando: “Muito bem seu padre! Muito bem!” (risos). É a droga. A bebida faz você ficar mandrake, mas depois o efeito passa. A droga marca as pessoas…
O senhor chegou a fumar cigarro?
Kazinho – Uma vez somente. Quando eu tinha treze anos, aquela meninada escondida de pai e mãe. Eu me engasguei três vezes e nunca mais quis saber de cigarro. Durante um tempo de onda, eu usei um cachimbinho. Teve um episódio meu com outro amigo cantor. Nós estávamos ali perto da Praça da República. Tinha uma boate muito famosa que a gente freqüentava muito. Estávamos com um pessoal grande e eu cochilando. O cara ficou me zoando: “Porra Kazinho, todo mundo aqui alegre e você cochilando. Toma uma dessa que você fica esperto”. Ele me deu uma bolota e eu tomei aquela porra. Mas fiquei esperto mesmo (risos). Fiquei tão esperto que quando acabou eu saí, atravessei a 24 de Maio e fui embora. Nessa época, eu morava no edifício Martinelli, mas não conseguia chegar lá. Pensei: “Puta merda, eu nunca mais vou ficar esperto e não vou tomar essa porra nunca mais”. Poxa, fiquei tão esperto que eu não sabia onde morava. Todo mundo que mexeu com tóxico acabou se dando mal. Como o Elvis Presley, o rei do rock. O cara morreu com 45 anos. Poxa, um cara boa-pinta, cantava bem, tinha toda mulherada na mão dele. Uma bebidinha tudo bem, mas tóxico te faz um mal danado.
O Vinícius de Moraes falava que São Paulo era o túmulo do samba. O senhor acredita nisso?
Kazinho – Eu nunca acreditei nisso. Eu pelo menos vim a me apresentar mais aqui em São Paulo. No Rio, eu tive poucas chances. Comecei a cantar na mesma época que o Miltinho. A minha voz sempre foi muito parecida com a dele. Quando eu estava gravando o Mulher de Compromisso, o pessoal me perguntava: “Poxa, qual é o seu nome?”. Eu falava: “Kazinho”. Eles respondiam: “Mas sua voz parece muito com a do Miltinho”. É a voz nasal, muito parecida. Eles pensavam que era o Miltinho, mas era o Kazinho.
O senhor casou quantas vezes?
Kazinho – Duas vezes. A primeira foi com a mãe da minha filha e a segunda eu fiquei mais tempo. Com a primeira foi aquela coisa de criança, mas eu gostei dela e gosto muito. Foi muito legal. Ninguém tem raiva um do outro.
Pra quem o senhor fez “Como é que pode?”
Kazinho – Ah, essa canção foi pra falecida. Ela me incentivava muito. Muitas vezes eu ficava dois dias e três noites fora de casa, mas ela continuava gostando de mim.
O senhor conheceu o Plínio Marcos?
Kazinho – Sim. O Plínio gostava muito de mim. Ele fazia reunião na casa dele, e ia um grande pessoal de samba, eu, Talismã. Infelizmente, ele morreu também. Eu devo muitos favores ao Plínio. Ele também me emprestou muito dinheiro e nunca precisei pagar. Falava: “Não precisa, Kazinho, não precisa”, aquele jeito dele. Durante um período aí eu estive em baixa e ele me ajudou muito. Por isso, eu não me queixo da vida. Aos 81 anos, eu ando sozinho pela cidade, sem problemas, não tenho doença e não uso bengala. Deus é muito bom pra mim. Eu só tenho labirintite, tomo remédio e pronto.
O senhor ainda bebe álcool?
Kazinho – De vez em quando. Quando tomo, fico três dias sem tomar remédio. Estou com 81 anos. Os colegas me perguntam: “Kazinho, tu ainda mete?”. Eu respondo: “De vez em quando sim”. Eles ficam nas gargalhadas. Comigo é assim: ficou duro tá bom, não ficou também está tudo bem. Eu falo com as moças: “Tenha paciência. Se custar a ficar duro, você tem que fazer uma oraçãozinha” (risos). Tem gente que toma remédio pra isso, mas eu não tomo.
Nesses 81 anos, o senhor se arrepende de alguma coisa?
Kazinho – Tenho arrependimento de algumas coisas erradas que eu fiz. Fiquei uma vez com raiva de um cara que ficou sem me pagar. Teve uma mulher de idade no Rio de Janeiro que me emprestou muito dinheiro e eu nunca paguei ela. São alguns arrependimentos.
O senhor chegou a fazer parte de alguma escola de samba?
Kazinho – Sim, eu fui compositor da Mocidade Alegre. Faziam parte da escola eu e o Jangada, compositor da antiga também. Ele era muito gozador e falava: “O único aqui que tem capacidade pra falar comigo é o Kazinho”. Também passei pela Imperador do Ipiranga. Desfilei pelas duas e vim cantando o samba na avenida. Eu puxava o samba antes da escola entrar.
Das músicas que o senhor fez tem alguma preferida?
Kazinho – Olha…Deu a Loca na Nega é a preferida. Outra que eu gosto muito é Meu Estranho Eu. Essas duas músicas foram para a minha falecida esposa. Ela era manicure, cabeleireira, enfermeira, qualquer coisa que precisasse na vizinhança ela resolvia. Mas teve três derrames e acabou indo embora.
Foi a grande mulher da vida do senhor?
Kazinho – Foi a grande mulher. Muito amiga, me dava muito conselho inclusive. Amiga, mulher e conselheira. Ela falava pra mim: “Você precisa se cuidar mais”. Isso porque eu vivia na farra (risos). Mas ela também bebia, tomava uns negócios. Antes de eu conhecer ela, ela dormia com uma garrafa de uísque debaixo do travesseiro.
O senhor foi próximo ao Nerino Silva?
Kazinho – Nerino! Com ele tenho algumas histórias engraçadas. Era um malandreco, malandro brigão pra burro. Mas depois ele parou com tudo isso e levou uma vida certa, sem confusão. Eu gostei muito de conhecê-lo. Principalmente na época das loucuras dele.
Ele era muito boêmio?
Kazinho – Bastante. Ele era um bom boêmio e bom de briga. Como o meu amigo Geraldino, muito forte na briga também. Eu bebo também. Mas tem que ter hora. Muitos não tinham. Eu sempre soube e por isso cheguei aos 81 anos.
O senhor tem irmãos?
Kazinho – Eu tive três irmãs. Duas estão vivas: a segunda e a caçula. Eu sou o mais velho. A segunda é formada em psicologia, é psicóloga. Outro dia ela me ligou nove horas da manhã: “Maninho, sabe o que eu estou fazendo agora?”. Eu falei: “Não sei, meu telefone ainda não tem mostrador”. Ela respondeu: “Eu estou saboreando uma Brahminha” (risos). Poxa! Bebendo ás nove da manhã. Como pode isso? Ela mora no Rio de Janeiro. A Diná, a do meio, já morreu. Ela sempre que vinha pra São Paulo ficava na minha casa. Ela gostava muito de mim, parecia muito comigo. O câncer acabou com ela. Ela e o papai morreram de câncer. Todos foram pro Rio, somente eu fui pra São Paulo.
Como o senhor compõe suas músicas?
Kazinho – Isso acontece quando eu sinto alguma coisa. Por exemplo, se alguém arma alguma coisa comigo e eu fico chateado, eu faço um samba dentro desse tema. Eu não forço, porque não vivo disso. Mas eu tenho a impressão que a partir deste ano eu vou voltar a me apresentar.
Faz muito tempo que o senhor não se apresenta?
Kazinho – Muito. No carnaval mesmo, eu poderia ganhar uma nota boa cantando. Sempre fiz muito carnaval. Teve um dia, quando eu estava com 55 anos que aconteceu um caso interessante. Um cantor, garoto de 20 anos, pifou no meio do salão. A garganta dele não funcionava mais. Disse pra ele: “Canta as músicas leves e deixa as pesadas comigo”. Eu agüentei o carnaval inteiro e ele pifou. Vinham os copos de bebida, cachaça com limão e ele bebendo bastante. Eu não bebi nada durante a apresentação. Gosto de beber, mas tudo tem hora. Profissional tem que se cuidar. Tem uma coisa: quando vou fazer carnaval, por exemplo, eu tomo uns fortificantes, injeção na veia. Só bebo quando termina tudo.
Faz muito tempo que o senhor não volta pra Belém?
Kazinho – Eu saí do Pará em 1950. Desde lá eu não voltei para a minha terra. Em 1963, cheguei em São Paulo. Eu gostava de ser representante comercial, usava máquina de escrever e tudo. Outro dia eu estava usando ela pra redigir algumas canções antigas minhas. A minha vizinha veio e me perguntou: “Puxa seu Oscar, o senhor está escrevendo algum livro?” (risos).
Como o senhor fez Consciente pro Noite Ilustrada?
Kazinho – Isso foi quando eu passei para a maturidade, não era mais criança. É bonita essa música: “Meus cabelos brancos chegaram/ Minha mocidade já passou/ Minhas ilusões passaram/ Hoje vivo aquilo que eu sou/ Mas não sou um velho decadente/ Mas sim um homem adulto consciente”.
A Volta o senhor fez nesse estilo também?
Kazinho – Sim. O Noite fez uma gravação muito bonita desta canção. Me deixou muito feliz como compositor. Ele tinha uma voz muito bonita, depois teve câncer. Quando ele me falou que o cabelo dele estava caindo, eu fiquei muito triste. Ele me falou: “Fica calmo, Kazinho. Eu estou me recuperando”. Vixi…quando começa a cair o cabelo, acabou.
O Ary Lobo foi muito amigo do senhor?
Kazinho – Foi sim. Ele gravou o Saudades do Meu Pará. O balanço dele era fantástico…
Ele era um cara muito famoso?
Kazinho – Ele tinha nome, mas era muito boêmio. Ganhou dinheiro, foi três vezes rico e morreu no banco da praça. Como pode isso? Ele vendia muito disco, era um cara muito bom.
O senhor tem alguma mágoa de não ser um artista tão conhecido?
Kazinho – Não. Primeiro: se eu não sou famoso é porque eu sempre fui relaxado. Nunca liguei pra isso. Eu ia nas boates, cantava, fazia sucesso e depois não aparecia mais. Quando eu cantava na noite, eu era mais conhecido porque ficava a noite toda numa mesma boate. Todos me viam lá. Quando eu parei, ninguém me viu mais. Muitos pensam até que eu morri.
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