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“Meu pai trabalhou tanto que eu já nasci cansado”. Essa frase descreve bem o estilo de vida do compositor Wilson Baptista, que completaria hoje, 03/07/2013, cem anos.
Malandro assumido, Wilson tinha pavor só de pensar em trabalho, preferia aproveitar a vida compondo suas musicas, defendendo suas teses em mesas de cafés e botequins do Rio antigo. Considerado por muitos, entre eles o mestre Paulinho da Viola, como um dos maiores sambistas de todos os tempos, autor de uma obra gigantesca com mais de 600 musicas gravadas, Wilson Baptista é hoje um sambista um tanto quanto esquecido.
Infelizmente, quando se lembram dele, na maioria das vezes é para falar da polêmica musical entre ele e outro genial compositor, Noel Rosa. Aliás, polêmica essa que na verdade não passava de uma brincadeira entre os dois bambas por causa de uma cabrocha e era restrita às rodas de compositores da época, onde os dois iam se alfinetando em letras de sambas..
O problema é que, quase 20 anos depois, essa brincadeira ganhou ares de disputa, com análises sociológicas complexas em que se definia o mocinho (Noel) e o malvado (Wilson) da história. Como se Noel não fosse um malandro de carteirinha, companheiro de Brancura e outros malandros dos mais “barra pesada” que viveram no Rio de Janeiro dos anos 20/30. Pra se ter uma idéia da falta de coerência nesse rumo que a história tomou a partir dos anos 50, dizem as más línguas que Noel andava até ateando fogo em mendigos pelas ruas…
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Sem muita instrução, muito menos no campo musical, Wilson chegou jovem ao Rio com o sonho de ser um artista, queria ser sapateador, influenciado pelos musicais americanos que assistia na época. Adolescente, morou por um curto tempo com um Tio, isso quando aparecia em casa, pois tinha o costume de varar noites na orgia, dormindo em banco de praça, pensões baratas no centro do Rio… Não suportando a pressão dos parentes para que arranjasse um bom emprego, logo foi morar sozinho. Começou a freqüentar o Mangue (famosa Zona de prostituição na região mais central do Rio), os bares e cabarés da Lapa. Por essas andanças na boemia conheceu a turma da orgia, fez amizade com Madame Satã, Jorge Goulart, Ataulfo Alves, Orestes Barbosa, Miguelzinho Camisa Preta, entre outros.
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Também aspirante a compositor, influenciado pelo Tio músico que teve em Campos, sua cidade natal e também pelos novos amigos da boemia carioca, Wilson logo percebeu que esse era o caminho para faturar um cascalho. Em 1929, Aracy Cortes, uma das mais famosas cantoras brasileira na época, cantou um samba seu no teatro. O samba era “Na Estrada da Vida” e veio a ser gravado por Luiz Barbosa, mas só em 1933. Casando de tentar emplacar seus sambas nas rádios, percebeu que seria melhor vendê-los do que sair por aí mostrando aos donos de gravadoras e rádios. Começou a se beneficiar dos “comprositores” que pagavam um bom dinheiro para ter a autoria do samba.
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A primeira vez que seu nome apareceu em um disco como autor foi na gravação de “Por Favor vá Embora”, gravado em 1932 por Patricio Teixeira. No comecinho de sua carreira Wilson Chegou a formar uma dupla com o Cartola. Aliás, Luis Pimentel e Luis Fernando Vieira, numa biografia sobre Wilson afirmam que ele e Cartola eram primos. Lembro-me de ter lido em algum outro lugar sobre esse parentesco entre os dois compositores.
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Chegou a fazer certo sucesso com o samba “Desacato”, gravado em 1933, coincidentemente, como o lado B do samba Feitiço de Oração, do já consagrado Noel Rosa, um fenômeno da época. Mas foi na voz de Silvio Caldas, ainda em 1933 que um samba seu chamou mais atenção e Wilson começou a ser conhecido. O samba era “Lenço no Pescoço”, inicialmente e misteriosamente assinado por “Mario Santoro”. Talvez o pseudônimo servisse pra se precaver de uma possível reação negativa à letra do samba que fazia ampla apologia à malandragem. Wilson usou outros pseudônimos em suas músicas, assinando algumas delas como Marina Batista (sua esposa) e J. Batista (seu pai, muitas vezes confundido com José Batista, outro compositor parceiro de Wilson em alguns sambas.
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O samba chamou a atenção de Noel. Pouco depois, pelas noites da Lapa, os dois se engraçaram por uma mesma dançarina de cabaré e Wilson acabou levando a melhor. Noel, o famoso compositor, ficou com aquele moreninho malandro atravessado na garganta e pra se vingar fez “Rapaz Folgado”, um samba-resposta aos versos de Wilson em “Lenço no Pescoço”. A partir daí os dois começaram a tão famosa “polêmica”. No final tudo terminou em samba. Noel pegou a melodia de Terra de Cego, de Wilson e fez uma nova letra, selando a paz e ainda esculachando a dançarina que provocou toda aquela discussão em versos. A única parceria entre Wilson e Noel chama-se “Deixa de ser Convencida”.
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Wilson era frequentador do Café Nice, um dos principais pontos de encontro de compositores do Rio na época, e gozava já de um certo prestígio como compositor. Entretanto, junto com outros compositores, principalmente do morro e “baixos ambientes” eram de certa forma discriminados por compositores que se denominavam “profissionais da música brasileira”. Mário Lago, quando lhe pediram para falar sobre Wilson se negou, dizendo: “nunca me dei com marginais”.
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Sempre na Beca, Wilson andava de terno de linho, sapato cara de gato, bigode aparado, gomalina no cabelo (que ele garantia ser o maior sucesso entre as morenas da cidade). Andou muito pelas cercanias da Praça Tiradentes e alguns amigos contam que ali ele chegou a ter até algumas “meninas” trabalhando pra ele, o que era muito comum entre os malandros da época que faturavam uns trocados como cafetões. Várias vezes foi em cana por vadiagem, falta de documentos, comer sem pagar… Chegou até a compor um samba em homenagem a Ary Barroso, que certa vez o livrou de uma cana dura.
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Wilson tinha seu jeito malandro de falar também. Em depoimentos, amigos relembram algumas de suas gírias:
Bife de chaleira – média de café com leite
Bira – hotel barato
Bomba – música de carnaval
Canário – cantor
Com a cara – sem dinheiro
Espetar – sair sem pagar
Inruste – esconderijo
Macaco – telefone
Penante – chapéu
Pisante – sapato
Sarro – comida
Três pernas – trezentos cruzeiros
Treteiro – Falso
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Wilson casou-se e viveu muito tempo com Marina Baptista (nome com que assinou alguns sambas), com quem teve uma filha. A própria viúva conta que quando conheceu Wilson morava na Saúde e marcavam sempre seus encontros no ponto do bonde. Como o namoro ficava sério, Marina começou a pressionar o malandro, querendo se casar logo. Wilson tinha que se desdobrar em desculpas pois ainda morava com a primeira mulher, mão de seu filho. Cansada da ser enrolada, Marina brigou com o Wilson e não foi encontrá-lo naquele dia.
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“Eu saía do trabalho e pegava o bonde 56 até a Central do Brasil, onde ele sempre me esperava. No dia da briga, apanhei um outro bonde, o 58, e fui direto pra casa, deixando ele lá esperando. Ele ficou uma fera comigo e fez aquela música do bonde que não veio”… (E o 56 não veio).
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Com o cantor e compositor baiano Erasmo Silva formou a Dupla Verde Amarelo, que embora de vida curta gozou de certo sucesso. Jorge Goulart, amigo de Wilson, conta que Wilson era preguiçoso, não gostava de acordar cedo, odiava compromissos formais, não tinha qualquer vocação para atividades que exigissem responsabilidade. Gostava mesmo era de compor seus sambas, elaborar suas teses, como ele gostava de dizer. Além disso, morria de vergonha de usar o traje da dupla, um de terno verde e o outro de terno amarelo.
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O parceiro Erasmo Silva se aborrecia com Wilson, dizia que ele não acreditava na dupla e entregava seus melhores sambas para outros cantores. Apesar da má vontade de Wilson a dupla deu certo por um tempo. Fez longa temporada em São Paulo e chegou a ser contratada para se apresentar na Argentina em 1936. Intermediados pelo cantor Silvio Caldas, foram contratados pela Rádio Mayrink Veiga. Quem batizou a dupla foi o apresentador César Ladeira (o mesmo que batizou o Trio de Ouro) que anunciava: “Com vocês a Dupla Verde e Amarelo! Cores diferentes, vozes iguais”. Em 1939 a dupla se desfez, mas logo voltou a se apresentar e gravar alguns discos até 1951, quando se separaram definitivamente.
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Wilson era flamenguista doente e convicto. Certa vez foi com o amigo e parceiro Antônio Almeida assistir um Flamengo x Botafogo. O flamengo perdeu e Wilson, como sempre acontecia nessas ocasiões saiu do estádio indignado. Antônio Almeida conta que na volta do estádio para o Nice ele até queria arrumar confusão com o trocador do bonde pois não queria pagar a passagem porque o Mengo havia perdido. Ao ser consolado pelo amigo Wilson já soltou: “Eu tiro o domingo pra descansar, vou ao futebol, só pra me aporrinhar”. Percebendo a “tese”, os dois fizeram ali mesmo o samba “E o Juiz Apitou”.
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Diversas vezes o flamengo aparece nos sambas de Wilson, mas talvez o mais conhecido seja o “Samba Rubro Negro”, parceria com Jorge de Castro que teve regravações de Gilberto Gil, João Nogueira, entre outros.
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Wilson nunca trabalhou, viveu de sua musica de sua malandragem por toda a vida. Mas, como ele mesmo cantou: “a boemia não dá camisa a ninguém”, Wilson teve um final de vida triste. Seus parceiros começaram a dividir o tempo entre a família e o trabalho, muitas vezes em cargos administrativos em sociedades de autores, passaram a compor menos. O Nice havia fechado as portas, no carnaval o samba que imperava era o das escolas de samba, os bons tempos iam indo embora. Mas Wilson, teimava ainda em levar à vida como sempre levou, na malandragem exaltada em seu samba “Lenço no Pescoço”, de tempos remotos. Os problemas financeiros foram se acumulando e sem a companhia dos parceiros, Wilson passou a se dedicar às amizades do mundo marginal das madrugadas, envolveu-se com drogas… O depoimento do amigo Alberto de Jesus, o Betinho, dá uma idéia da triste situação em que Wilson se encontrava pelos idos dos anos 60:
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“Wilson quase morreu na minha casa. Ficou quase um mês no meu apartamento da Barata Ribeiro. Mas ele tinha um apartamento alugado no edifício Santos Valis. Quando morreu, coitado, não tinha um lençol na cama dele. Recebia Cr$ 700 de dois em dois meses, não dava nem pra pagar o aluguel. Sofreu muitas ingratidões na vida. às vezes era melhor vender as músicas, pois o direito autoral saía mais rápido.”
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Alberto conta ainda que em uma das visitas a Wilson no hospital, ouviu do compositor: “Agora é que vai ficar bom, Betinho. Eu vou morrer”.
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Amargurado, lembrado por poucos amigos, Wilson viveu seus últimos dias entre temporadas nos hospital e sozinho em seu apartamento. No dia 7 de julho de 1968, a notícia se ouve no rádio: Acaba de falecer o grande compositor Wilson Baptista.
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Bibliografia consultada:
Wilson Batista. Luis Fernando Pimentel e Luiz Fernando Vieira. 1996. Relume-Dumará/Prefeitura do Rio. de Janeiro. 137p.
Um segredo chamado Wilson Baptista. Rodrigo Alzuguir. Samba em Revista. Fevereiro/Março de 2010. Número 3.
Wilson Batista e sua época. Bruno Ferreira Gomes. 1985. Funarte. 149p.
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Linda a obra do Wilson Batista.
Linda a obra do Wilson Batista.
Estou encantada com a obra do Wilson Batista…
Estou encantada com a obra do Wilson Batista…
Estou encantada com a obra do Wilson Batista…
Estou encantada com a obra do Wilson Batista…
Grande sambista. E grande texto.
Grande sambista. E grande texto.