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Entrevista com Catoni e coletânea para download

, Catoni

Catone

Sebastião Vitorino Teixeira dos Santos, o Catoni, nasceu em Ouro Preto, MG no dia 13 de maio de 1930. Ganhou seu apelido de uma familia italiana que quase o levou pra morar na Europa, ainda menino…

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Da infância em Ouro Preto, Catoni levou as lembranças do trabalho duro, das festas animadas pelo calango… E partiu para o Rio, onde se tornou um grande sambista, compositor de sambas enredo que pertenceu à ala de compositores de Portela e, em parceria com Jabolô e Waltemir, foi autor do samba “Lendas e Mistérios da Amazônia”, levando a escola ao título em 1970. Partideiro de primeira linha, Catoni aparece em gravações memoráveis da história do samba, seja como intérprete, improvisador ou compositor.

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Segue abaixo uma entrevista com o compositor, calangueiro e partideiro Catoni, transcrita do livro “Partido Alto, Samba de Bamba” de Nei Lopes. Ficou meio grande a postagem, mas vale a pena… E pra aliviar, preparei uma seleção de musicar pra ilustrar o papo… Bom apetite!

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Baixar Sambas do Catoni

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Hoje é 19 de setembro de 86 e o papo é com Catone, compositor da Portela e tal. Ô Catone, antes de vir pra cá eu fiz uma pesquisa sobre voce. Vê se confirma comigo, vamos lá: Sebastião Vitorino Teixeira dos Santos, é isso mesmo?
É isso ai.
Nascido em Ouro Preto.
Perfeitamente.
Dia 13 de maio de 1930.
Perfeitamente. Falou e disse!
Sanfoneiro, calangueiro etc. e tal. Você chegou em Jacarepaguá em 1943, com 13 anos de idade. Bom, esse apelido “Catone”, por que isso?
Ah, esse apelido “Catone” tem um fundamento muito grande. Eu capinava,vivia de capina Então, cheguei aqui no Rio, brabo, feito um índio brabo, meu negócio era capinar; eu pensei que capinando eu conseguia alguma coisa, mas “aquela” nunca desincha, está sempre “inchada” (Risos). Então, fui trabalhar na casa de uma família italiana, que por sinal me puseram no colégio, me deram estudo, me trataram… calcei um tênis… Eu não sabia o que era calçado de… Lá na roça não tinha esse negocio, era alpercata. Não sei se você conhece!? Alpercata tinha um no só.
Conheço.
E era “vovô-camisolão” aqueles camisolões que a gente usava. E aqui calcei tênis, me deram um tênis, me puseram no colégio. E o sobrenome dessa família era Catone, e como eles gostavam muito de mim, e eu me aperfeiçoei – sic – muito a eles, então fiquei como um filho da família, e eles então disseram assim: “Será que o teu pai se importa de você…?” Quando eles viajaram, eles queriam me levar. Aí, sabe como é, né? Meu pai ainda não estava bem civilizado, disse: “Não! Não vai sair de perto de mim. Filho nenhum vai sair de perto de mim. Vai ficando por aqui mesmo” Aí, foi lá na casa dessa família e disse que eu não podia viajar com eles pra Itália, ainda mais que eles iam ficar definitivo. Aí ele disse: “Bom, então, eu vou deixar o sobrenome pra ele usar” Aí, ficou “Catone” Essa família nem sei, rapaz, o que é passado a essa família. Nunca mais a vi, nunca mais soube de nada. E queriam me dar muita coisa. Mas é que o tempo às vezes ele encurta o caminho, sabe como é que é? A gente muito cabreiro… Porque o pessoal de antigamente não gostava de ouvir assim “Ah, Fulano me deu isso aqui!”. “Fulano te deu?” “Não! Vamos lá na casa de Fulano pra ver se Fulano te deu mesmo”. Isso as vezes encurtou meu caminho. Mas eu também não reclamo, não, porque tudo que vem lá de cima é bom. Esta tudo bem. Eles viajaram e deixaram esse sobrenome comigo. E ai o pessoal – já sabe – não me chamava por outro nome… Catone, Catone, Catone. E esta ai ate hoje.
Me diz uma coisa, Catone: antes de você vir pro Rio, como era o lance lá? Como era o ambiente teu lá em Ouro Preto? Eu conheço Ouro Preto, né… Nunca fui lá, mas pelas coisas que a gente vê, é só aquelas ladeiras, aquelas coisas antigas, mas eu não sei de lavoura, de roça.
Ah! Mas lá onde eu nasci, onde eu nasci e fui criado (quase criado porque eu saí de lá com 13 anos), a gente fazia o seguinte: domingo a gente conhecia por causa do jogo de malha, e a hora, era pelo sol: quando o sol caia… tinha um detalhe: se não chovesse, né? Quando o sol saia a gente calculava mais ou menos. Até hoje eu calculo a hora pelo sol. E não tínhamos assim divertimento nenhum.
Só trabalhar mesmo.
Só trabalhar. Só o que a gente sabia que era domingo porque: “Ah. hoje vai ter um jogo de malha, Fulano da fazenda tal com Fulano da fazenda tal.” Então, a gente fazia aquela platéia pra olhar o jogo de malha.
A tua família, como e que era o lance? Sempre foram de lá ou vieram de outro lugar?
Não! A minha família é oriunda da África, tá entendendo? A minha avó era africana.
Você sabe de onde ela era?
Ela falava muito em Luanda. Minha avó falava muito em Luanda.
Como era o nome dela?
Aurora dos Santos
Então, deve ter vindo de Angola mesmo, né?
Ela falava muito em Luanda. Então minha avó contava muitos casos. Tinha o meu tio, também, que era irmão dela. Ele não deixava de ampará-la. O meu avô era filho de africano mesmo, aqui da… O meu avô, ele veio… os pais dele vieram da África. Então ele nasceu na Bahia e veio pra Minas. Já o meu pai verdadeiro era descendente de italiano; a minha mãe descendente de africana, que é filha da minha avó.
E o pessoal sempre trabalhou na lavoura ou trabalhou em outra coisa?
Não. Sempre trabalhou na lavoura. A gente trocava o milho pelo fubá, o toucinho por um pedaço de carne de porco, assim, sempre breganha. Sempre fomos colonos.
Bom, era uma vida de muito trabalho e tal, a festa era… o que você sabia… o domingo era por causa do jogo de malha, como você já falou. Agora, e as festas? Tinha festa?
Tinha. Geralmente São Sebastião, um aniversário, o dia do lugar: “Ah, hoje é aniversario de Santa Tereza, por exemplo; hoje e dia de aniversário de Ouro Preto”. Então, naquele lugarejo tinha festa. E ademais, a gente não escolhia dia pra fazer. Eu tinha um irmão que tocava triangulo, tinha um vizinho que tocava um… porque de primeiro era… hoje em dia é tantan, surdo… mas naquele tempo era caixa.
De madeira, né?
Justamente. Eu batia uma caixa. Inclusive eu conheci um instrumento feito pelo meu avô, um instrumento que ele tinha duas faces e tinha um buraco no centro. Então, por ali, você com a mão regulava o som que você queria, sabe como é que é? Queria pouco, você recuava a mão, queria muito, você… ia assim: batia dos dois lados.
Você não sabe o nome, não?
Não sei
Mas quando tinha festas, o que acontecia nas festas?
Ah! Uma coisa muito boa. A vizinhança chegava todos, cada um dava um negocio: “Ah, vou trazer um leitão” Outro: “Eu vou trazer um pedaço de boi” “Ah, matei uma capivara” Então, tinha fartura. Bebida, não, porque a bebida em Minas era o vinho, tinha que se comprar. Mas o resto… E cachaça, né? Pinga nunca faltou. Inclusive eu trabalhei num alambique.
E a musica da festa, o que rolava?
Era calango.
Calango, com sanfona…
É isso ai: sanfona, uma boa sanfona. Calangueava a noite todinha.
Geralmente, a instrumentação do calango era a sanfona… tinha viola?
Tinha.
Pandeiro, né?
Viola de 12 cordas. Aquela viola tinha que saber tocar né?
Pandeiro…
Pandeiro e sino, triangulo. O que eles chamam de triangulo, sino… Tinha flauta também, aquelas flautinhas e…
De Bambu?
Era! Aquilo era o luxo da mocidade. (Risos). Eu tinha um conjunto… naquele tempo ajuntava e “vamos fazer um musgueiro, ai!… Então vamos!” Tinha um que tocava flauta, eu que tocava minha sanfona.

Você aprendeu?Alguém te ensinou ou você aprendeu sozinho?
Não! Aprendi sozinho. É o costume, né? O dia-a-dia vai ensinando a gente.
Você sabe? Lá no Irajá., quando eu era garoto, Irajá era uma cidade do interior. Essas coisas que você ta falando aí, quase tudo tinha tambémTinha sim.
É que de repente mudou, modificou tudo, mas tinha mesmo. Muito carro de boi, muita…
Ih, eu dirigi muito carro de boi! Aqui no Rio mesmo. Dirigi. A gente vendia lenha, né? Aqui no Rio eu vendi muita lenha, pra essas padarias. Duzentos reis cada um feixe de lenha, agora você, duzentos réis (Risos).
Bem, calango, né? Jongo. Você conheceu lá?
Conheci. Conheci jongo, caxambu. Isso lá… Tanto faz o caxambu como o jongo (se você não sabe, fica sabendo) é uma seita. Uma seita e, vou te contar, das mais fortes. O caxambu, então! Eu vi muito caxcambu da pessoa ficar sentada no lugar e não se levantar. “Você só vai se levantar daí amanhã, Fulano!” O dono do caxambu dizia. E o jongo, eu já ví muita gente… Tem uma cantiga que eu me lembro ate hoje. Inclusive, essa família que tem aqui no Salgueiro, a família do Mesquita, não sei se você conhece.
Conheço. 
Eles são muito jongueiros. Tem o seu Geraldo lá, que ele mantém um jongo lá em cima.
A família do Mesquita, eles são um pau com formiga.
Você conhece eles de onde?
Conheço eles de lá… Agora, me diz uma coisa: o calango e tal, o jongo, a gente vê, por exemplo, nessa gravação do Xangô da Mangueira que você canta com ele. O samba é teu, né? O que me chama muito a atenção é uns versos que de vez em quando sai, que a gente já viu em outros lances, como por exemplo: nesse Xangô, você canta: “O alecrim na beira d’água chora a terra que nasceu”. Onde é que você ouviu isso? Quando era garoto?
Não. Isso eu ouvi aqui no Rio mesmo.
Aqui no Rio mesmo. Mas não tem coisa assim daquela época, que você ouviu e até hoje você guarda e quando você pode, assim numa roda que cabe, você manda? 
Tem. Mando. Quer ver? Ah, meu Deus!… (Tenta lembrar) “Como letra na cabeça, como letra no jorná…”
Ah, isso eu já ouvi! Isso eu já ouvi, vê se você lembra aí…
(Declama): “Você pra cantar imagina, eu canto sem imaginar”.. Retetê calango deu, retetá calango dá, você pra cantar imagina, eu canto sem imagina, trago letra na cabeça como letra no jorná” O “jorná” e a linguagem do caboclo.
É isso aí… Isso é um calango da linha do A, não é?
É. Na linha do A. E tem muita coisa que a gente escolhe aqui.
Eu estava vendo um verso que o Zagaia diz, numa outra gravação. Que eu também vi isso em outros lugares Diz assim: “No tempo que eu cantava o meu peito retinia, eu cantava na Mangueira o mundo inteiro me ouvia”. Você ouviu isso em algum lugar?
Já. Já ouvi já…
E você lembra como é que é?
Isso é na linha do I.
Então vê se você repete ai. 
“No tempo que eu cantava/ o meu peito retinia, cantava aqui, lá de longe se ouvia”
Tem um bocado assim, né?
Tem. Tem um bocado de verso. É que as vezes, as vezes o instrumento e o momento é que faz com que a gente vai… Sabe como e?
A hora que o negocio vem, vai lembrando, a coisa vem lá de dentro. O calango (eu conheço mais ou menos, mas já li muito) eu acho que tem muito a ver com partido!
Tem. Tem sim. Mas tem mesmo. Porque o calango você entra pela noite, você não sabe quem vai encontrar. Às vezes você encontra um calangueiro da linha do I, ele fala na mesma linha , te enrolando, te enrolando, te enrolando, você esta sempre na frente, você tem que deixar ele responder. E assim é o verso. Se você versar primeiro, quem versar por segundo vai levar vantagem. Você diz: “Eu vou me embora que me dão pra levar/ levo penas e saudades, coração pra te amar”. Ele diz assim: “Coração pra te amar, coração pra te amar, eu vou me embora. O que me dão pra levar”. Então, ficava ruim. Então a gente pra conhecer o caboclo, a gente pegava a sanfona e: “Vambora, gente!” Ai, olhava pro adversário, como quem diz: “Vai primeiro!” E ele também por sua vez dizia assim: “Vai primeiro!”
O cara deu a deixa, você já… Fica mais fácil né…
É isso aí…
Agora, aqui no Rio… Você, praticamente, a maior parte da sua vida, você passou aqui né?
É…
Esse lance de Escola de Samba, como é que começou?
Eu morava… Eu morava, não! A minha mãe ainda mora nesse lugar. Chacrinha, um lugar chamado Chacrinha…
É lá onde eu fui né?
Você já foi na minha casa, né?
É…
É. Justamente. Então… Aquilo ali agora é uma cidade, aquilo era um caminho de lá vai um. Você sabe o que é um caminho de lá vai um?
Sei, sei. (Trilha estreita no mato por onde só se passa em fila indiana)
Então, aquele caminhozinho, quando eu fui pra ali só tinha mato. Então, nos fomos os primeiros moradores dali. A minha avó foi a primeira moradora dali. E a minha avó quando chegou de Minas…
Como é o nome da rua ali agora?
Agora é Rua Florianópolis. Então, a minha avó quando chegou de Minas, o Barão da Taquara ele doava. Chegou uma família de tal lugar. Aí, você batia na fazenda dele (Bate palmas), que era na Taquara, ele doava um lugar pra você plantar. Foi o que aconteceu com a minha avó
Quer dizer que tua avó veio na época do Barão da Taquara?
Justamente.
Foi pra lá. Aí, depois, em 43, você veio, a família já estava lá?
Já. Minha avó já estava aí no Rio.
Aí o Barão deu lá aquele pedaço? 
Deu. Deu um pedaço pra gente.
Deu de papel passado ou de boca, assim?
Dava de boca, né? Era tudo dele, era tudo com ele mesmo! Daqui pra cá a gente tirou de usucapião. Não só a gente, como aquelas famílias que moravam alí, todas elas tem usucapião.
E dali você começou a freqüentar samba?
Não comecei a freqüentar, não, que meu pai não deixava.
O meu também não. (Risos)Então, eu passava em frente a uma escola de samba com o nome de Vai se Quiser. Eu passava. E aí, num sábado teve um aniversario de minha prima na Freguesia. Aí, eu apanhei minha sanfona, meu irmão pegou o triangulo: Vamos! Vamos pra lá cantar calango. Inclusive fazia aquelas barracas. E, nesse dia, saiu uma briga tão grande que derrubaram a barraca. E o meu tio era um desses nêgo metido a valente, meu tio deu mão numa foice… (Risos) Você sabe que eu não tinha nada com o pato, tive que correr porque achei que estava demais. Você sabe que a Freguesia…você sabe onde e a Freguesia?
Sei, sei…
Eu corri da Freguesia ate a Praça Seca. E foi naquele tempo que só tinha o bonde. Você sabe que eu me escondi no mato alto com a minha sanfona. A minha sanfona abriu e vinha aquele time atrás. Que tá pensando que o pessoal que tinha derrubado a barraca estava me acompanhando, E aí, ah, meu irmão, vinha aquele time atrás. E a minha sanfon abriu: “Fooom!!!” Ô, o cara está aqui! Aí caguetou. Tive eu que correr, pular o muro, uma cerca de arame farpado pra sair em casa. Aí eu comecei a freqüentar, passava em frente, olhava. Um dia eu pensei: “Poxa, eu vou entrar nesse negócio aí.” Meu pai trabalhava no Laboratório Raul Leite na época já. Aí, eu falei: “Meu pai está custando a chegar, eu vou entrar nesse negócio aí.” Tinha uma festa. Ai, quem me atendeu (já é morto hoje em dia) foi o falecido Valério. Esse falecido Valério cantava! Ô homem pra cantar!
Ai, ele disse assim: “Ô rapaz, o que você quer?” – Eu estava com a sanfona, com a sanfona nas minhas costas. “O que você quer aqui?”
Eu digo: “Eu queria ver esse negócio aí.”
– “Olha, aqui se canta samba! Lugar de sanfona e lá fora! Esse negócio de calango, esse negocio de mineiro e lá pra fora!”
Eu digo: “Não, mas eu queria ver”
– “Olha, voce vai ver, mas você não vai puxar essa sanfona pra nada ai dentro, hein?”
Eu digo: “Tá legal, tá muito bom. O senhor deixa eu ir ver?”
“Vai lá ver!”
Aí, eu estava olhando. Aí, nesse dia, estavam ensaiando um samba de terreiro, que é o tal partido-alto de hoje em dia. Um samba de terreiro, as pastoras todas aprendendo, um rapaz no meio… Esse rapaz ainda é vivo, ele mora aqui no Pilares. Esaú de Morais, o Ruço. Ele estava ensaiando, ele no meio, batendo na palma da mão e cantando o samba, e as pastoras tudo assim com o papel olhando. E ai depois ele subia pra um palanque e cantava. Não tinha microfone, não. Ele cantava, aí as pastoras começaram a fazer aquela volta no terreiro e coisa e tal, todo mundo cantando. Ai, eu falei: “o negocio e bonito!” Ai, eu olhei pra um lado, olhei pro outro, o homem que tinha me posto lá não estava perto, ai meti a mão na minha sanfona e to acompanhando o ritmo do samba (Risos). Ai, em vez do pessoal ficar lá no samba, começaram a ficar em volta de mim. Ai, 0 Ruço desceu e falou assim: ”Ô rapaz, aqui não é lugar de tocar sanfona, não. Tu vai atrapalhar meu samba, está atrapalhando meu samba”. Aí, eu digo: “Não! O senhor deixa eu tocar porque depois vou cantar pro senhor!” “Não! Eu não quero que você cante, não! Você toca essa sanfona lá fora”
Ai, teve um, um valente, na época…. Era o Zezé. Disse assim: “Olha, se o rapaz sair daqui com a sanfona, vai todo mundo lá pra fora. Que eu sou o dono do pessoal que está ai, e vai todo mundo lá pra fora. Deixa o rapaz” Ai, eu disse assim: “Não! Briga eu não quero não, moço! Se for com negocio de briga eu não quero, não senhor”. “Não, ninguém vai brigar não, pode continuar a tocar a tua sanfona aí!” “Ô Ruço, continua tocando o teu samba!” A bateria não parou não, a bateria continuou tocando. Aí eu digo: “Eu vou evitar esse negócio de briga, eu vou guardar a minha sanfona”. E ai guardei minha sanfona e fiquei num canto. Aí depois que terminou, esse Ruço me chamou e falou assim: “Você quer aprender a fazer samba, mas com sanfona você não vai fazer samba. Isso ai e quatro compassos (eu nem sabia o que era compasso!) e não da pra fazer samba”
Então quer dizer que a pessoa lá disse que você com sanfona não ia conseguir fazer samba?
Não ia fazer samba. E ademais eu não tinha motivo. E eu: “Como é que a gente arruma esse negocio pra fazer samba?” Ele disse assim: “Olha, tens namorada?” Eu falei: “Não, senhor” “Então tu arrumas uma namorada”. Isso ele pra mim… “Arrumas uma namorada, briga com ela e aí você faz uma musica, faz lá ao teu modo, pega essa sanfona ai que você diz que tem jeito e você faz uma musica como você brigou com ela, que você está sentindo saudades, não sei o que”. Eu digo: “É assim?” “É assim mesmo”.
Aí eu arranjei uma tal de Maria, uma crioula que ninguém queria. Era ruinzinha! Aí eu: “Como é que eu vou brigar com a primeira namorada? Como e que eu vou brigar?” Aí eu arrumei um brigueiro com a crioula e ai fui pra casa. Ai,falei com o meu irmao:
“Eu fui la na escola de samba”. E ele: “Poxa! você foi lá na escola de samba?” Aí eu: “Eu fui lá e ai um moço lá me disse que eu arranjasse uma namorada e brigasse pra mim poder fazer um samba”. E ele: “Voce arrumou?” “Arrumei”. “Já brigou?” E eu: “Já briguei”. “E agora como e que tu vai fazer?” Eu: “Agora vou fazer um samba”
Ai eu fiz o meu primeiro samba (Canta): “Vai meu amor que eu não te quero mais/ Não, não me sai da lembrança esse maldito dia que tu me deixou / Perdão você não terás/ Tens um coração de pedra / Meu prazer é te ver dando azar / Pagar com a mesma moeda / Não, não, não eu nao posso esquecer o grande mal que tu me fez / Sem eu merecer/ Andaste errada mais uma vez/ agora vives a sofrer, meu amor” Meu primeiro samba! E daí pra cá…
Aí o pessoal gostou?
Gostaram: “O mineiro fez um samba! O mineiro fez um samba.” Aí, também eu não sabia nada, não. Continuei na minha capina, até que encontrei essa família. Até então ainda estava vagando. Até que encontrei essa família…
Que idade você tinha nessa época, mais ou menos?
Eu tinha os meus 16 pra 17 anos.
Era moleque, ainda, né?
Era! 16 pra 17 anos.
Você se lembra… Aí você começou a freqüentar e tal…
Aí, daquela época eu comecei a frequentar.
Aí você se lembra como é que pintou assim, a primeira vez que você chegou numa roda de versar, com…?
Me lembro. Isso aconteceu na Corações Unidos, que era uma outra escola que tinha em Jacarepaguá. Pelo meu modo de ser, pelo modo que eu fiz esse primeiro samba, esse Ruço disse assim: “Esse crioulo ai serve, além disso ele canta bem. Tem e que aprimorar o ritmo dele, que ele ainda está meio calangueado”. Então, ele achou que eu servia pra cantar. Então, todos os sambas dele ele me ensinava, pra mim cantar! Aí foi quando eu conheci essa família: “Olha, o mineiro esta trabalhando”. Quando eles precisavam de mim pra cantar samba, eles iam bater 1á na casa desse pessoal: “Ô, mineiro! Vai ter um samba em tal lugar!” E nessa época tinha muito piquenique. Em Paquetá. O primeiro piquenique que eu fui foi em mil novecentos e… Não sei… foi logo depois da guerra… Não! Foi muito depois da guerra… não sei se foi em 1951, um negócio assim. Eu sei que foi um piquenique do Império Serrano.
Do Império parece que era 7 de setembro, não era?
Era. Acho que era 7 de setembro.
E o Salgueiro era São Sebastião…
É, tinha essas épocas assim. Eu sei que eu fui ao primeiro piquenique. E eu com um medo, rapaz, de atravessar naquela barca, naquele troço apitando, naquele barulho e eu digo: “Pô, eles não respeitam nem o mar, eles tem que respeitar o mar”. Eu ainda estou naquela! Eu fiquei sentado no canto, só me levantei em Paquetá. Me sentei e fiquei só vendo. Tinha batuque dentro da barca.
Samba duro, pernada?
Samba duro, mesmo. Em Paquetá, saltei em Paquetá, também não tomei banho de mar, eu tinha medo. Quando me chamaram, aí cantei esse samba. Cantei esse samba e aí me chamaram: “Vai ter uma festa na Corações Unidos e você, Mineiro, você é que vai representar a Vai se Quiser. Aí, chegando lá você canta esse samba ai”
A Vai se Quiser era onde? Era na…
Era na Rua da Itapuca, hoje é Gastao Taveira. E a Corações Unidos era no São Roque. Mas a pinimba no samba sempre existiu. Eu não sei por que.
Todo lugar é isso, né?
Sabe como e que e? Sempre existiu esse negócio, um querer ser mais que o outro. Ai eu fui na tal da Corações Unidos.
Você representar a Corações Unidos no. . .
Eu fui representando a Vai se Quiser, representando a Vai se Quiser.
No piquenique?
É, mas tinha outras escolas, onde eu conheci o falecido Caquera, o Claudionor, lá da Portela…
Caquera era de Bento Ribeiro, né?
Era de Bento Ribeiro. Eu conheci uma infinidade de compositores da época. Aí, quando chegou a minha hora de cantar, o Ruço tinha me ensinado um samba (Canta): “No samba já falaram da Portela e do Salgueiro; No samba já falaram não sei de que do Irajá / No samba já falaram até de Bento Ribeiro/ Mas esqueceram de falar/ Do samba de Jacarepaguá / Lá também se canta samba/ Lá também tem gente bamba/ As cabrochas tem seu jeito no andar/ Quem não quiser acreditar que vá lá” Um negocio assim, até interessante. Ai eu tirei em primeiro. “Em primeiro lugar Vai se Quiser!” Me deram uma taça. Ai eu digo assim: “Meu Deus! O negócio é bom mesmo! Vou ficar nesse negócio”.
Tomou gosto, né?
Aí tomei gosto e….
Mas nesses piqueniques rolava muita roda de partido, né?
Rolava. Eu conheci um rapaz, ele morava aqui pra baixo, O Índio. Mas eu nunca vi versar tanto! Eu conheci Geraldo Babão num piquenique. Versamos! O falecido Pelado… Zagaia, mesmo, eu conheci num piquenique. Eles versando… Um dia eles me chamaram de… Esse Índio disse um verso pra mim: “Crioulo devagar”, eu não esqueço mais disso. (Declama):
“Crioulo devagar / É favor prestar atenção / Deixa de ser metido/ Você parece um porco-entrão”… Porco-entrão era aquele porco que… Só porque eu me meti no meio deles pra versar. Eu era atrevido!
Quando você chegava, você costumava mandar versos assim improvisados na hora ou você…?
Ah, eu improvisava na hora. Mas sempre gostei de versar pelo segundo. Porque eu não conhecia os “irmãos”
Mas aí quando você manda um verso, mesmo feito na hora e tal, às vezes tem muita coisa que a gente já sabe, que tá na cabeça, que a gente manda. Você não costumava mandar?
Não, não.
Você gostava mesmo era de fazer, de improvisar mesmo na hora, né?
Improvisar na hora. O improviso eu já estava acostumado. Já estava acostumado porque em Minas a gente acumulava muito a idéia naquilo ali.
Principalmente no calango…
No calango. E o calango é um improviso, porque você não sabe como é que os outros vêm. Aí você tem que ir desbancando na hora, pra desfazer um nó, um troço qualquer. De maneira que foi fácil.
Tem um verso na gravação do Xangô: “ a mulher para ser minha, tem que ser camaradinha”…
– “Come pão com banana em casa e diz pra vizinha que comeu galinha”
Isso você… isso aí é teu?
Isso é meu…
“Essa mulher não me ama / essa mulher não me adora / quando ela me vê no samba / não sei porque que ela chora…” Isso é seu também?
Não. Isso ai é do Zagaia, não é não? O Zagaia é que versou isso aí.
É do Zagaia? Dava a impressão que era a tua voz. Bom, uma coisa: e o negócio de religião lá em Minas?
Religião lá em Minas, o meu pai era… aqui dá-se o nome de “feiticeiro”. O meu pai em Minas era quimbandeiro. Meu pai tinha lá os negócios dele, os preceitos dele, e por incrível que pareça não deixava a gente se aproximar. Tanto e que em Minas meu pai foi muito considerado, respeitado porque…
Como era o nome do teu pai?
Sebastião Honório Teixeira. Então, ele era muito respeitado. Inclusive, o dono da fazenda (chamava-se Manuel Pinheiro), esse homem, o único colono que ele nunca bateu foi no meu pai. Porque a vez que ele levantou a mão pro meu pai, ele não abriu o braço.
Ele tinha que respeitar mesmo!
Tinha que respeitar Ele não arriou o braço. O meu pai estava preso na cadeia em Ouro Preto, por causa da cunhada dele. Ele tinha um irmão casado com uma criatura, que era a minha tia, e ele deu um flagrante na minha tia namorando outro. Ai deu umas foiçadas na minha tia; aí foi preso na cadeia de Ouro Preto. O interessante é que quem ensinou a ele essa religião, essa seita (eu me lembro como se fosse hoje) chegou na minha casa (a minha mãe estava grávida de um irmão meu), chegou na minha casa e disse assim: “Ô, Clotilde (a minha mãe se chama Clotilde), você vai fazer um negócio, você vai andar muito, mas você vai me levar isso (um balde e um barbante com três nós)”. Ai eu disse assim: “Ô seu Manuel, eu levo!” E ele: “Você, não! Quem vai levar vai ser a tua mãe” E ai deu a ordem a minha mãe que levasse aquele barbante com três nós e jogasse atrás da cadeira do delegado, que se chamava Cinguino. Esse delegado, ele sentava com dois dobermanns, esse cachorro, (um do lado, outro do outro) e minha mãe chegou, ela conta, minha mãe chegou nesse determinado lugar, lá na cadeia, que minha mãe jogasse por detrás da cadeira. Minha mãe chegou, os cachorros do jeito que estava ficaram, e ele dormindo, estava dormindo. Estava dormindo ficou, minha mãe chegou, colocou o troço lá, saiu, e aí com o espaço de uma hora, ele perguntou o que que o meu pai estava fazendo. Ai ele mesmo abriu a cadeia e: “Vai embora. rapaz. Você não fez nada!”
E teu pai tinha ficado quanto tempo lá?
Meu pai estava lá acho que uns três dias…
É…Tem coisas que…
Eu… aliás eu agora não acredito que tenha não, sabe? Porque o tempo devassou muita coisa!
É. Esse negócio de ficar abrindo muito, entregando pra todo mundo meter o bedelho, aí vai perdendo.
Tem uma família muito conhecida que não saia da minha casa aqui em Jacarepaguá. Meu pai curava bronquite, curava qualquer doença que chegasse lá em casa, ele curava com reza. Tinha uma reza “invocada” que curava mesmo. Tem uma família que o rapaz hoje em dia é até medico do INPS. O Jorge, pô, ele adora ir lá em casa. O meu pai era o pai dele. Botou esse rapaz bom! Desenganado pelo medico, “Não tem nada disso, não! Com reza 1á, sei que botou ele bom. Hoje em dia é um médico.
Você estava falando que quem ensinou essas coisas pro seu pai, quem foi? 
Manuel Antônio.
Era africano? 
Era. Africano.
Teu pai teria que idade hoje? 
Meu pai hoje em dia teria… ele morreu com 90… 98, cento e tal
Meu pai se fosse vivo estava fazendo… este ano teria feito 98, quase caminhando já pros 100 também.
Mas meu pai avisou a todo mundo que ia acontecer. Quinze dias antes ele avisou todo mundo. Que chegasse lá, juntinho porque ia acontecer e aconteceu mesmo. O unico que não apareceu fui eu. Meus 15 irmãos (somos 15 irmãos), os 14 irmãos apareceram.
Mas, voltando ao lance do samba, Catone, a Portela… Você foi pra Portela em que ano?
Eu fui pra Portela em 66. Em 1966.
E lá o lance do partido, de versar e tal, quem eram os bons lá na Portela?
O falecido João da Gente…
João da Gente! Cheguei a conhecer.
João da Gente; o falecido Nilson, muito bom também pra versar; tinha um tal de Baiano, muito bom pra versar também; o Monarco, mesmo, o Monarco versa bem, também.
E você chegou a participar lá também de muita… um negocio que sempre rola, né? A gente está num pagode e de repente pinta um samba só com a primeira e a gente vai inteirando…
E isso ai, rapaz, em Jacarepaguá, a gente se ajuntava, pô, mas a gente cantava tanto isso! O samba versado. E não tinha instrumento, um segurava numa lata, outro segurava numa bacia…
Você se lembra de algum assim? Você estava falando em Paquetá, outro dia eu me lembrei de um negocio que diz assim: “Ê, barca me leva pra Paquetá / Ê, barca me leva pra Paquetá.”
Isso é antigo…
E o pessoal só versando em cima do tema do “Paquetá”. Você lembra alguma…
Tinha uma que dizia assim (Canta): “Amar eu não posso amar/ Eu não tenho amizade a ninguém/ O amor é só quando me convém/ Homem de orgia não tem amizade a ninguém”
Bonito pra caramba! Agora, no samba duro, na pernada. já era diferente. Era só uma frasezinha e o pessoal não versava, né?
Não versava.
“A polícia vem que vem braba/ quem não tem canoa cai n’água”
Aí no Largo da Carioca…
No Tabuleiro da Baiana.
No Tabuleiro da Baiana vinha um bloco lá do Catete, vinha umas crioulas bonitas na frente, chamarisco, pra você chegar e encostar a mão. Aí… Esse negócio de trombadinha aí, isso não e novidade, não! Eles cercavam, você olhava e ficava sem nada.
Catete teve um bocado de tradição no samba, né?
Teve, o Catete teve sim. Ali no Santo Amaro. Eu deparei com… um samba versado que eu fui no Santo Amaro… eu deparei com um rapaz na época que versava bem pra caramba, um tal de Zeca da Metade.
Ih! Ele foi meu amigo pra caramba! Tinha o nariz assim meio amassado! Ele era meu amigo! Ele morreu tem… 
Que nêgo bom…
Bom pra caramba, ele morava na… Era meu amigo lá no Cabuçu…
Tinha um detalhe muito importante no samba antigamente que não tem hoje: era o respeito de um para o outro, sabe? O respeito, a compreensão, muito embora um pouquinho mais áspera, sabe como é?
Com mais respeito, né?
Com mais respeito. Porque o adversário esperava você cantar. Ele dizia pra você: “Eu gostei muito” E aquele “gostei muito” era porque gostou mesmo. Hoje em dia, não! Eles dão um tapinha nas costas e assim pro Fulano: “Ta bem!” Conversa, conversa fiada.
Mas, falando do Zeca, rapaz, eu conheci legal ele. Era marido de uma moça chamada Zilda, que era cabeleireira lá no Cabuçu, e eu me dava muito bem com ele mesmo. 
(Pausa)
Catone, acho que está legal!
Tá legal!
 
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Comentários

Já arrumei… Veleu pelo toque!

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Vinicius, nenhum áudio tá funcionando. Tiraram do servidor?

Postagem mto boa!

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